Umbanda: Texto: Como a falange de Malandros
 
se tornou sagrada na Umbanda - Com 4 Vídeos
 


Como a falange de Malandros se tornou
Sagrada na Umbanda (Com 4 Vídeos)
Umbanda Sagrada Brasileira

Observação, este texto eu copiei do Site
https://medium.com/@umbandausb/como-a-falange
-de-Malandros-se-tornou-sagrada-na-umbanda-dcbcc64dd56c


Somente fiz pequenas adaptações sem alterar o texto original.

Para honra e glória de nosso pai Oxalá,

Para honra e glória do divino Ogum,

Sempre que a gente desce nas casas, nos terreiros por aí, os filhos, as filhas, os consulentes nos pedem para contar uma coisa boa, uma coisa boa sobre suas vidas, algo que vai acontecer, que vão ganhar, algo do futuro, mas e eles, será que eles tem algo bom para nos contar?

Será que eles fizeram algo de bom, fizeram por merecer algo bom, tiveram um bom comportamento, uma atitude boa?


(Dona Maria Navalha do Cais)

Estrela Dalva e Saul Williams
reencarnando os Malandros.
Foto: Renan Lima

A Umbanda Sagrada Brasileira

USB possui em sua egrégora arquétipos espirituais representativos da identida-de nacional.

Assim, baixam nos terreiros para a prática da caridade espíritos de indígenas, que já habitavam estas terras antes da colonização violenta pelo qual nosso país passou; baixam espíritos de Pretos e Pretas-Velhas, simbolizando a pre-sença de
negras e negros escravizados durante a colonização violenta pelo qual nosso país passou; espíritos de Ciganas e Ciganos perseguidos no mundo inteiro, no Brasil não foi diferente; espíritos de Boiadeiras e Boiadeiros, Baia-nos e Cangaceiros, representando a população dos campos, o Nortista e o Nordestino; baixam Marujos, Pescadores, Estivadores representando a popula-ção brasileira ribeirinha, e as Malandras e Malandros, simbolizando a vida nos morros, nas periferias, a boêmia noturna, a capoeira e o samba.

Portanto, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) não permite, não mostra, mas é perfeitamente possível conhecer, entender, aceitar, ensinar e divulgar a História do Brasil, as narrativas de construção social e identitária do nosso país através desta religião, cem por cento brasileira.

Novelas, filmes, peças teatrais, músicas, pinturas, todos esses segmentos artís-ticos se apropriaram em algum momento da composição do que seria a figura do Malandro, criando no consciente coletivo brasileiro uma imagem fixa desta persona: beberrão, bem vestido, bom de lábia, bom capoeira, bom no baralho, no dominó, simpático, sedutor, farrista, compositor ou admirador de bons sambas, a personificação do “jeitinho brasileiro” para escapar de enrascadas e/ou confusões.

Até o final do século XX, esta carga simbólica era bem mais forte, presente e hoje encontra-se fragmentada.

Nada neste texto é definitivo (na verdade, em nenhum texto neste blog), a Umbanda vive progressivamente sua evolução, conforme as necessidades espirituais vão surgindo, de acordo com as demandas dos terreiros e é isso o que vem contribuindo para um alcance cada vez maior da religião.

Logo, no futuro poderemos encontrar novas falanges além das citadas no pri-meiro parágrafo ou mesmo o desaparecimento de algumas delas.

A necessidade (ou a falta dela) dirá.

O pesquisador Pedro Pimentel Guimarães, autor do artigo “
O processo de sa-cralização do Malandro e a ressignificação da personalidade histórica”, que norteia este resumo, conta que em dado momento coexistiu a figura do Malan-dro no terreiro e a do Malandro social, nas ruas, nos morros.

À medida que este foi sumindo, o primeiro foi sendo melhor compreendido.

A atriz Estrela D’Alva performando
o arquétipo da Malandra Maria Navalha.
Instagram: Estrela Dalva

Não há como precisar o momento exato em que Malandros e Malandras come-çam a baixar nos terreiros, a incorporar nos médiuns e a dar consulta aos que procuram os centros Umbandistas.

Mesmo no início, quando estes espíritos começaram a aparecer, seu campo de atuação não era bem compreendido, o que fez com que eles descessem nas giras de Exu, nas giras de Preto-Velho e de Baiano, mais costumeiramente.

Com o tempo, com mais trabalhos e informações é que a falange dos Malandros passou a ser melhor compreendida e em muitos centros passou a ter gira pró-pria.

Entre as principais lições que podemos aprender com estes guias espirituais está o drible perante às dificuldades cotidianas, podemos aprender a ter o ‘jogo de cintura’ diante das situações mais complicadas.

Quando o Malandro não era bem compreendido ele descia, como já dito, na gira de outras falanges, pois era o jeito que eles encontravam de vir trabalhar, de dar consultas, de curar, já que ainda não havia um espaço identificado e concebido para eles.

Essa astúcia, esse esforço para conseguir trespassar os obstáculos junto a mensagens de positividade são inerentes à condição das sagradas Malandras e Malandros na Umbanda.

Muito do que conhecemos e trazemos em nossa memória sobre o que é dito dessa categoria ainda pode ser encontrada nas tendas, seja através dos instru-mentos como navalha, jogo de cartas, as roupas, as bebidas, o batuque e os pontos cantados, o que acaba criando um ambiente similar, porém sagrado, por ser dentro de uma casa de fé, ao que o Malandro estava acostumado quando de sua passagem por este plano terreno.

Assim, podemos citar este ponto:

Malandro, se na minha cara der,
Pode fazer testamento ou se despedir da mulher.
Se tiver filhos deixe uma recordação,
Cara que mamãe beijou vagabundo nenhum põe a mão.
Se Na Minha Cara Der (Ponto Malandro)

O ponto retrata a condição de um homem que não leva desaforo pra casa, de um homem que impõe a sua força, homem valente, destemido.

Já no ponto a seguir, temos alguém redimido, incapaz de praticar o mal contra seus semelhantes, capaz apenas de emanar amor e paz mesmo tendo sido injustiçado ao ser preso, o que poderia lhe dar o direito de sentir raiva das instituições que o prenderam ou das pessoas que o acusaram.

Fui preso numa corrente
Sem fazer mal a ninguém.
O único mal que eu faço
É amar e só querer bem.

A resignação é transformadora, cria um novo conceito para a entidade.

Pedro Guimarães nos lembra da ‘mitopoética’, capaz de “criar e fortalecer o mito das entidades a que se referem através das letras dos cânticos a eles dedicados”.

Nesse sentido é que se faz importante observarmos o que é dito nos pontos ou o que vem nas entrelinhas.

Num ponto dedicado à Maria Navalha lhe é conferido certo ‘poder’, logo admi-ração e respeito.

Ô Navalha, ô Navalha,
O teu poder não falha!
Vivia numa tristeza sem fim,
Maria Navalha teve dó de mim.
Hoje voltei a sorrir,
Por isso eu estou aqui.
Em Maria Navalha eu tenho fé
E ai de quem não tiver.
Ela é uma malandra de axé,
Não duvide do poder dessa mulher.
Em Navalha Eu Tenho Fé (Ponto De Maria Navalha)

Se no Cristianismo temos figuras cultuadas ao longo do tempo e a quem são atribuídas milagres, com comprovações ou não, muitas vezes se tornando padroeiras ou padroeiros de cidades, sendo-lhes erguidos monumentos como prova da fé da população local, espaços para peregrinação formados por iniciativa dos fiéis ou do próprio município que vê na romaria um atrativo para fortalecer o turismo citadino até o processo de santificação oficial por Roma, na Umbanda, com a falange não só dos Malandros, todas as outras também, basta que a entidade espiritual tenha uma palavra de conforto, uma mensagem positiva, conte uma história, cante um ponto, dê um passe, espalhe a fumaça do seu cachimbo pelo local para que as pessoas que foram se consultar, que foram buscar alguma intermediação saiam mais aliviadas, menos angustiadas dos centros Umbandistas e assim as entidades sigam sendo procuradas e cultuadas, oferendas lhe sejam destinadas bem como rezas e velas lhes são direcionadas.

Afinal de contas é para isso que o Malandro está ali, para trabalhar, trabalhar dentro da Lei de Umbanda, tendo um mentor maior à sua frente, como fica claro no próximo ponto.

Uma da madrugada
O cabo da brigada
Matou seu Miguel,
Por covardia e vingança
O Homem sem confiança
Mandou ele pro céu.
De manhã houve um grande tumulto
De tanta gente na porta do necrotério.
A malandragem da Lapa estava toda de luto
Querendo levar o Malandro para o cemitério.
Mas ele não está lá, não tem corpo nenhum,
O Malandro Miguel Camisa Preta
Pede licença para seu Ogum.
Ele não está lá, ele não está,
O Malandro Miguel Camisa Preta
Desceu em terra para trabalhar.
Malandro Miguel Camisa Preta nos Arcos da Lapa.
Foto: Instagram Malandro Miguel

Se antes o Malandro era boêmio, amante da noite, das mulheres, vivia de bicos’, sem trabalho fixo, na Umbanda ele tem algo certo a fazer.

Prestar assistência aos que lhes procuram.

É a condição para seu retorno à terra, condição pela qual o mito da morte se enfraquece, à medida que podemos notar um quê de eternidade, pois quando o centro de Umbanda encerra seus trabalhos do dia, os consulentes esperam voltar em outra gira para se consultar novamente com este ou aquele espírito, o que também garante um ‘ar de sagrado’ à entidade.

Ela traz uma Navalha que corta o mal e a injustiça,
Protegida de Zé Pelintra, Maria Navalha não brinca.
Caminhou de rua em rua em busca de moradia,
Foi na beira do cais que conheceu a boemia.
Ela é de laroiê, ela é de mojubá,
Ela é Maria Navalha que vem aqui ajudar.
[…] Trabalhava na madrugada, trabalhava lá no cais.
Maria Navalha da Calunga faz o que você não faz.
Foi na subida de uma serra que eu a vi trabalhar
Junto com seu Zé Pelintra para todo mal levar.
Ela é uma malandra de fé, ela é uma malandra de luz,
Ela é Maria Navalha e não teme a mal nenhum.
Ela Traz Uma Navalha Contra O Mal E A Injustiça
(Ponto de Maria Navalha)

Desse ponto podemos extrair várias análises, tecer alguns comentários.

O primeiro para reforçar algo dito anteriormente, que ser Malandro não signi-fica agir de má fé, mas sim se livrar dos apertos da vida (ou do plano espiri-tual) sem recorrer a escolhas ou meios ‘irregulares’, essa é a grande lição que temos a aprender com esta falange, independente das necessidades que este-jamos passando.

Se a Malandra Maria Navalha não tinha teto para morar, encontrou abrigo junto dos boêmios que poderiam lhe socorrer.

Foi na beira do cais que aprendeu a ser malandra e a se proteger.

Outro fato é seu instrumento de trabalho mundano dito no ritual sagrado,
a navalha, instrumento que supostamente usou em vida para se proteger dos abusos e que agora, simbolicamente, nos barracões Umbandistas é usada tão somente para cortar o mal, a injustiça, as demandas, as energias negativas.

Assim, a Malandra espiritual faz o que um ser humano não pode, por isso mesmo se tornou uma entidade sagrada.

E se na terra, nos locais onde trabalhamos, nos nossos relacionamentos, nas nossas amizades nem sempre conseguimos fazer algo em conjunto, no plano astral, com o consentimento divino é perfeitamente possível e costumeiro um trabalho de cura ser feito por uma ou mais entidades espirituais, como fica perceptível quando no ponto acima o Malandro Zé Pelintra e Maria Navalha levam todo o mal, o mal que é direcionado às pessoas angustiadas que procuram os terreiros, levam a maldade direcionada a você em um simples olhar, em uma ironia, em palavras de desprezo ou quando de fato o mal lhe é direcionado através de trabalhos negativos.

É por curar os consulentes do mal que seu Zé Pelintra, o mais conhecido den-tre todos os Malandros, é chamado de doutor, de mestre, algo que o Malandro não era em sua vida terrena.

Seu Dotô, seu Dotô (bravo senhor)
Zé Pelintra chegou (bravo senhor)
Com os poderes de Deus (bravo senhor)
Zé Pelintra sou eu! (bravo senhor)
Seu Doutor (Ponto De Zé Pilintra)

Sabemos que no Brasil, uma pessoa tratada por ‘doutor’ inspira respeito, lhe confere um grau, um cargo, uma determinada importância.

Se em terra, o Malandro não possuía esse título, com sua ressignificação para o sagrado nota-se que a entidade possui ou adquiriu sabedoria capaz de receitar chás, banhos com ervas, entre outras coisas, um conhecimento similar ao dos médicos e também capazes de curar enfermidades.

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Citei durante o texto apenas três nomes conhecidos da falange dos Malandros que foram Dona Maria Navalha, Seu Miguel Camisa Preta e Seu Zé Pelintra.

Há bem mais guias atuando e praticando a caridade através desta falange, citando mais alguns temos D
ona Maria Branca, Dona 7 Navalhadas, Seu Zé Pretinho, Malandro Camisa Listrada, outros.

A falange dos Malandros ainda é nova, mas cada vez melhor compreendida e estudada pelos Umbandistas.

Uma curiosidade é que em Teresina, capital do Piauí, a maioria dos Pais e Mães de Santo recebem, incorporam e trabalham com seu Zé Pelintra, que merecia um texto só para si, um não, mas vários, sua atuação é imensa, passa pela Umbanda, é cultuado na Jurema Sagrada como mestre catimbozeiro, detentor de conhecimento sobre ervas.

Tal e qual o senhor Exu Tranca Ruas é muito visto nos terreiros, seu Zé acaba sendo também um dos atuais e grandes fortalecedores e divulgadores desta nossa religião brasileira com a sua presença em tantas tendas.

Seus trabalhos ultrapassam as entradas dos terreiros, seu assistencialismo muitas vezes é visto com a caridade sendo praticada através de Pais e Mães de Santo que organizam cafés da manhã para a comunidade, refeições para a população de rua, claro, com a orientação, benção e proteção deste Malandro espiritual.

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Espero ter contribuído para que você que leu até aqui tenha entendido como se deu o processo de sacralização desta falange, ou que pelo menos o texto lhe tenha provocado dúvidas, dúvidas que façam você se aprofundar e buscar mais textos, mais vídeos, correr giras para aprender e apreender cada vez mais conhecimento e vivência nas casas de Axé Brasil adentro.

Fonte:
https://medium.com/@umbandausb/como-a-falange-de-Malandros-se-tornou-sagrada-na-umbanda-dcbcc64dd56c

Pub 2019

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