Cabocla
 


Parecendo a estrela da manhã, surgiu certo dia por aqueles verdes campos uma linda ninfa.

Ora aparentava uma sagacidade meio arisca e ares misteriosos, ora revelava-se portadora de uma meiguice que a todos contagiava.

O seu verdadeiro nome, a ninguém jamais revelara.

Por isto, passaram a chamá-la de Cabocla.

De corpo esbelto e tez moreno jambo, corria pelas campinas mais parecendo uma gazela.

Romântica como ninguém, às vezes absorta em seus pensamentos, parecia sair de órbita e se transportar para um mundo longínquo.

Costumava vivenciar os seus devaneios embaixo de uma linda e frondosa árvore, um ingazeiro.

Sentada nas pedras aveludadas pelos musgos, aparentando tapetes verdes, seu semblante confundia-se com a natureza.

As águas, orgulhosas, percorriam o corpo daquela bela jovem, re-frescando-lhe a alma.

A voz do vento sussurrava aos seus ouvidos segredos que só ela po-deria compreender.

No encantamento do trinado dos pássaros, no coaxar dos sapos e na musicalidade ritmada das águas descendo pelas  cascatas, ela se inebriava em um cantarolar nostálgico que se misturava com outros sons parecendo uma orquestra harmoniosa e natural.

Via-se no olhar daquela jovem um quê de saudade, melancolia, mistério poético, respaldando, quem sabe, algo muito profundo, talvez um grande amor deixado lá no passado longínquo.

Segredo que não revelava nem às pessoas mais íntimas e queridas.

Jamais arranjara um namorado.

Pretendentes encantados com a sua beleza, era o que não falta-vam, porém, ela amavelmente despistava as suas intenções, trans-formando-os em amigos.

Naquele lugarzinho predileto, às margens do poço denominado de Poço do Caixão, banhava-se, deixando que as águas invadissem o seu corpo, a sua mais íntima intimidade.

As águas lavavam a sua alma, levavam a sua saudade, saudade que só ela conhecia.

Era um segredo que vazava muitas vezes através das lágrimas que rolavam no seu rosto como pérolas de cristais.

Contam que Cabocla, certo dia, organizara uma pescaria represan-do dois braços d'água que se cruzavam, formando um grande poço.

Era abundante a quantidade de curimatãs, traíras, camarões ali existentes.

Ela vivia mais de pesca e frutas.

Cabocla desvendava os mistérios da natureza.

A lua e as estrelas pareciam lhe entender.

Dizem até que conversava com as estrelas.

Talvez em cada uma delas tivesse a visualizar o seu grande amor, ou algum ente querido que tivesse partido desta vida.

Da lua, sentia ciúmes.

Ambas eram belas e misteriosas.

Cada uma guardava os seus segredos e mistérios e uma real pureza que as tornava enamoradas dos andarilhos da noite.

Passaram-se dias, meses e anos e Cabocla já fazia parte integrante daquela paisagem, do mundo simples daquela gente que aprendera a lhe querer bem, se acostumado com o seu jeitinho maroto, aris-co, misterioso.

Porém, em uma noite de lua cheia, os moradores daquela localida-de ouviram, através das ondas sonoras, um cântico de amor emiti-do pela voz melodiosa de Cabocla.

Era uma serenata em homenagem às estrelas, dando evasão aos seus sentimentos mais recônditos.

A mensagem era de uma saudade profunda, de uma tristeza que saia em notas musicais com tom de despedida.

Todos adormeceram no embalo daquela canção profunda e triste.

A surgir dos primeiros raios de sol, a canção havia cessado.

Só se ouvia o piar estridente de uma coruja e o cantar longínquo de um galo que anunciava o raiar de um novo dia.

E lá, naquele lugar onde  as águas haviam  sido represadas, onde tantas vezes ela pescara, estava o seu corpo adormecido.

Dormia o sono dos justos, um sono sem volta.

A causa da sua morte foi mais uma incógnita na sua história.

Interrogações, todos faziam.

Alguma pedra que rolara desfazendo a represa, deixando livre o fluxo da água  que invadira o seu corpo adormecido?

Algum ataque súbito que a impossibilitou de reagir?

Ninguém soube ao certo.

O acontecimento provocou muitas lágrimas, um sentimento profun-do de perda para aquela comunidade simples que tanto a amava.

Os pássaros formaram um lindo coral de melodias diversas para se despedirem de Cabocla.

Até as folhas, com restos de orvalho, vertiam as suas lágrimas em solidariedade aos moradores daquele lugar.

A melancolia se fez presente naqueles campos verdejantes, como se uma parte de si tivesse morrido.

Em homenagem a Cabocla, denominaram aquele lugar de
LOCAL DA CABOCLA.

Contam que em noites de lua cheia, as pessoas que por ali passam, ainda ouvem aquele canto plangente que ficou registrado nas pe-dras, nas árvores, nas águas e no vento itinerante.

As ondas sonoras ainda transmitem a sua doce voz que de longe ecoa  na saudosa canção, acalantando a natureza e os moradores daquele pequeno lugarejo paraibano.

Ninita Lucena


 

 
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