Portugal - Boca do Inferno - Cascais

 

 MUTAÇÃO

Carmo Vasconcelos

 

Por tão inesperado, houve um momento

Que se entranhou na minha natureza,

E adulterou meus genes-sentimento,

Causticando sem dó minha inteireza.

 

Da mutação, um novo ser nasceu:

Mulher transfigurada em pedra dura,

Mudança singular, porque perdeu

A angelical pureza da doçura.

 

Amargou na sua essência d’alma dócil,

Trocada a veste cálida da crença,

Pla gélida armadura da indif’rença.

 

Firme e petrificada, tal um fóssil,

Defende-se, intocável e transida,

Sem ânsia de calor que a traga à vida!



RETORNO

Eugénio de Sá

Ai de ti; volver da pedra, em retrocesso

É cousa que não lembra ao pensamento

Porque é firme a razão do sofrimento

Que te leva a assumir o insucesso

E se em pedra dura te tornaste

E o coração, em pedra, o frio tomou

Qualquer brandura que ele já aceitou

Ora recusará toda a que amaste

Mas se a esperança chega, por virtude

E nova mutação em ti se der

Quem sabe o que vai ser da pedra rude?

- Talvez renasça em ti outra mulher

Que se recuse ao gélido ataúde

Que volte a conformar o que Deus quer.

 

QUIÇÁ…

Carmo Vasconcelos

 

Volver da dura pedra? Haja utopia!

Porém... Amolecida, volverá,

Tal como à rija rocha a maresia

Contorna agudas quinas. E o fará!

Que o forte marulhar que assim tortura,

Também a dilapida em resistência,

E se a não quebra, no âmago a perfura,

E aos poucos, esboroa-lhe a imponência...

E o coração, mais mole, é o primeiro

A desfazer-se em pó nas ondas tépidas,

Ante um volte de mar suave e rasteiro...

Então, quiçá, da rocha endurecida,

Se solte essa visão nas águas lépidas,

De uma nova mulher a ganhar vida!


 

PORTENTO PRIMACIAL

Eugénio de Sá

 

Ah sim, o mar, esse bravio vulcão

De vísceras voltadas, quando é fero

Que vai e volta à terra, em turbilhão

Com vagas como torres, destempero

 

E a pedra feita pó explode na ira

Quanto é medonho o sopro vertical

E tudo à volta morre, e tudo gira

No mar heróico, o mar de Portugal

 

Volta a calma, depois a maresia

Tudo traz à raiz essencial

Vinga o milagre sobre a utopia;

 

E da tal rocha dura, original

Surge a mulher amante, epifania

Qual divino portento primacial

 

 

 ORIGENS

Carmo Vasconcelos

 

Filhos do luso mar que nos rodeia,

Se irados… bravamente encapelamos,

E à força da batida que o permeia

Feitos rocha maciça amalgamamos.

Nossas origens não cabe negar.

É força que nos toma porque entranha

Em nós, o orgulho bravo desse mar,

E dele, a potestade nos assanha!

 

Porém, se dele herdámos a bravura,

Que levou nossa pátria à fama e glória,

Temos, também, do seu avesso a ternura…

 

Pois quando se aveluda, acaricia,

E a mulher d’alma lusa honra-lhe a história:

Ora rocha, ora espuma em calmaria!

 

FINAIS?

Eugénio de Sá

 

Filhos sim, desse Oceano ocidental

Majestoso, hercúleo, fulgurante

Não há nas nossas glórias mar igual

Nem nas memórias outra semelhante

 

Água que abençoou tudo o que amámos

Que fez heróico o orgulho português

E quando de mais mar não precisámos

Ele se deitou amando o bem que fez

 

E hoje quantos ais não ouvirá

Na voz de um povo inerte e maltratado

Que procura uma esperança que não há?

 

Ah minha irmã; que foi feito do fado

De que ouvimos falar, onde estará?

E que há c’o mar que já se mostra irado?

 

 

Portugal & Colômbia

Janeiro/2010



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