Paixão Alvinegra


            Segunda-feira abro o jornal na página de esportes. Sei que o noticiário será totalmente tricolor visto que na véspera sapecou um categórico 4x1 no rival Mengão, sagrando-se Campeão da Taça Rio. Uma foto em especial chamou a minha atenção. Era a de uma torcedora tricolor em sobre uma armação tubular, amparada por dois rapazes, sorrindo com os braços levantados. Devidamente uniformizada, sorriso largo e fazendo pose para a foto. Como sempre acontece nessas ocasiões, as pessoas que estão próximas, ao notarem que sairão também na fotografia, se aproximam do foco e reforçam a coreografia. É aquele desejo compreensível e salutar diante da certeza de sair nas páginas importantes dos jornais, revistas e, com um pouco de sorte, até na televisão.

            Escrito na legenda:

 “A vovó tricolor Maria de Lourdes da Silva, de 63 anos faz a festa dos geraldinos antes do jogo começar”.

            Naquele momento a foto me impressionou de tal forma que interrompi a leitura e, com inveja, curti aquela doce alegria analisando as expressões das outras pessoas que compunham o quadro. A mim, com 64 anos, duas cirurgias e duas angioplastias, o meu cardiologista recomenda ser prudente e que evite tais arroubos. Ainda mais sendo Botafoguense, tripudiou ele completando com ar gozador: - Pelo que o Botafogo tem jogado nos últimos anos, o risco de infartar é bem maior... me restou aquele sorriso amarelo e a tentativa inútil de contra-argumentar com a certeza de outros tempos. Resignado brinquei com ele dizendo que, se não houvesse Botafoguenses no mundo, os cardiologistas morreriam de fome. Dei-lhe, porém, um crédito de confiança porque tem um filho que também é Botafoguense doente. Com certeza, de coração alvinegro ele deve entender bastante, tanto que há dezoito anos mantém esta máquina batendo forte. Nada de subir as rampas íngremes do Maracanã, advertiu-me ainda ele. Somente fui liberado para permanecer dentro dos limites da minha casa, assistindo pela televisão e, dependendo do adversário, dobrar a dose de calmante...

            Voltando à Vovó Tricolor, como é conhecida na geral, acredito que vocês tenham entendido perfeitamente o motivo da minha frustração por não possuir mais a mesma vitalidade. Tendo jogado futebol durante toda a minha mocidade, inclusive defendendo as cores do Fogão, esta limitação à minha euforia incomoda bastante.

            Percorrendo a imagem verifiquei, no entanto, um quadro menor no ângulo inferior direito da mesma. Somente então me dei conta de que a legenda continuava e pude completar a leitura:

Depois do segundo gol do Flu, ela sofre de pressão alta e deixa a geral de maca, inconsciente (no detalhe)”.

            Felizmente depois se recuperou e, pelo que entendi, retornou ao seu lugar. me acostumei a isso, teria comentado na ocasião. Uma linda tarde de felicidade poderia ter tido um desfecho trágico para ela e, por extensão, aos parentes e companheiros de torcida. Não sei até quando desafiará a lei da probabilidade, mas torço para que tenha a oportunidade de assistir a muitas vitórias do seu querido Tricolor. Menos contra o meu Fogão, claro!

            Mesmo não querendo, temos de nos curvar à irracionalidade - somente as grandes paixões movem o ser humanoprincipalmente nos esportes. Tempo bom quando agarrava meus filhos e partia para o jogo com tudo a que nós tínhamos direito. Camisa, bandeira, fitinha amarrada na testa e, principalmente, com a certeza da vitória no coração. Apesar de ser um homem muito educado, acompanhava-me sempre um bom repertório de palavrões para o momento oportuno, não tinha de usá-los desnecessariamente, é claro. Como diria o saudoso tricolor Nelson Rodrigues, Santa Paixão...

            Espero que o meu Fogão volte a justificar o risco pela alegria incontida e, quem sabe, faça renascer muitos Vovôs Alvinegros. Eu, particularmente, não tenho a menor dúvida de que, se isto acontecer, estarei firme na arquibancada com a torcida. Evidentemente que terei de superar o olhar severo do cardiologista e da minha família, mas voltarei para o lugar onde passei os melhores momentos da minha vida.

            Se o coração não resistir, não tem problema. Botafoguense não morre, apenas vai se juntar à Estrela Maior do Céu que os pobres de espírito acreditam ser Solitária... Junto aos que chegam comigo, conclamaria a todos a entrar entoando o nosso eterno Grito de Amor ao Garrincha:

            - Ô Mane. Cadê você? Eu vim aqui prá ti !!!!!

Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ - 05/04/2005




Fundo Musical: Hino do Botafogo 
 

 
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