Antipatia gratuita


Coletânea de todos os Capítulos feita pela Querida amiga Yna Beta,
a qual apresento o melhor de meus agradecimentos.
Ary Franco

Antipatia gratuita
(1ª Parte)

Maurício e Gabriel trabalhavam no mesmo setor de uma grande indústria. Ambos de meia idade. Maurício sem razão aparente não gostava de Gabriel e sempre o hostilizava durante o tempo integral de seus expedientes. Gabriel jamais revidava, mantendo-se pacien-temente indiferente às provocações do seu gratuito antagonista. O silêncio de Gabriel açulava mais ainda o ódio de Maurício. Certa vez ele sorrateiramente colocou uma barata dentro da marmita do seu odiado, mas Gabriel nada disse, resignando-se a ficar sem al-moço. Querido por todos, no refeitório, outros repartiram naquele dia suas refeições com ele.

Gabriel era um dos primeiros a chegar ao trabalho. Maurício sem-pre chegava depois, mas quando o patrão estava presente, não perdia a oportunidade de falar bem alto para seu colega:

__Bom dia, Gabriel. Deu formiga na cama? O que foi que aconte-ceu para você chegar cedo? Até que enfim, hoje você não atrasou!

Gabriel nada dizia em sua defesa e o patrão, desconfiado, resolveu durante uma semana guardar distância da fábrica e observar a or-dem da chegada de seus operários. Notou que Gabriel, todos os dias, era um dos primeiros a chegar ao trabalho. Maurício era sem-pre um dos últimos, marcando o ponto próximo ao limite permiti-do.

Comprovado o desprezível comportamento de Maurício, o patrão resolveu chamar Gabriel ao seu gabinete. De imediato, o operário concluiu que seria despedido, por força dos comentários desabona-dores de Maurício, que sorria pensando o mesmo.

__É hoje que você vai pra rua, nojento!

Cabisbaixo, Gabriel dirigiu-se ao gabinete do patrão esperando pe-lo pior. Deteve-se na porta, humildemente retirou o capacete de sua cabeça, procurou limpar com as mãos a sujeira de seu macacão e entrou.

__Bom dia, Sr. Durval. Fui avisado que o Sr. quer falar comigo...

__Bom dia, Gabriel! Entre e sente-se. Precisamos conversar.

__É melhor eu ficar em pé. Vou sujar a cadeira de visitas.

__Sente-se, por favor. Não se preocupe com a cadeira; depois mandarei limpá-la. Esboçando um sorriso, o patrão disse que se o macacão estivesse limpo ele não iria gostar.

Gabriel sentou-se e sua apreensão fez-se visível no olhar apavorado estampado em seu rosto. Suava, apesar do ar condicionado que re-frigerava o ambiente.

__Gabriel, você fez algo de ruim e imperdoável àquele seu colega Maurício?

__Que eu saiba, nunca!

__Então, por que ele é tão inamistoso com você?

__Não sei dizer senhor, mas deve ter as suas razões. Nunca pergun-tei a ele.

__Gabriel, tive minha atenção despertada para você, procurei in-formar-me a seu respeito e concluí que você é um excelente ser humano, trabalhador, responsável e zeloso nas funções que são de suas atribuições profissionais. A partir de amanhã você será o Che-fe do setor em que trabalha. Você lidará com quinze operários, in-cluindo o seu desafeto. Caso você resolva dispensá-lo, contará com meu total apoio. Entendeu?

Diante do que acabara de ouvir, Gabriel não cabia em si de conten-tamento. A brusca mudança entre o que esperava e o que recebeu, foi tão contrastante que não conseguiu segurar as lágrimas. Mal conseguindo balbuciar as palavras, disse para o seu patrão:

__Agradeço a confiança em mim depositada e tudo farei para não decepcioná-lo, Sr. Durval. Pode contar comigo!

Levantaram-se e a conversa foi encerrada com um aperto de mãos.

Em seu regresso ao trabalho, foi recebido com o sarcasmo de Mau-rício:

__E aí, “Zé Mané”, ainda não foi dessa vez, né? Só levou uma ad-vertência, mas na próxima você vai...

Gabriel nada disse e recomeçou o trabalho que já tinha iniciado quando havia sido interrompido, chamado pelo patrão.

(2ª Parte)

Na manhã do dia seguinte havia no quadro de avisos, junto à mar-cação do ponto dos operários, uma convocação a todos os que tra-balhassem no setor de funilaria para uma reunião às 11:00h no salão do refeitório. A tensão reinava no ambiente e as especula-ções eram as mais variadas possíveis, desde a dispensa em massa até um aumento salarial. Maurício era o que mais contribuía para o terrorismo, dizendo que iriam aumentar a carga de trabalho de cada um e já incitava o pessoal a prestar queixa no sindicato em defesa dos direitos trabalhistas, etc...

Gabriel permaneceu operando na máquina de fazer cortes nas fo-lhas de alumínio, moldando peças para confecção de bules, pane-las, marmitas, etc... Ele nada tinha a temer quanto à reunião, pois estava com sua consciência em paz. Apenas aventava a hipótese de ser algo ligado à sua nomeação para chefia do setor, o que manti-nha guardado com ele, na expectativa cautelosa de um comunica-do oficial por parte da diretoria da empresa.

Todos atentos ao relógio, às 10:50h começaram a se dirigir ao local da reunião. Sentado a uma mesa sobreposta no tablado já estava o Sr. Durval, tendo ao seu lado o chefe do RH. Na hora aprazada foi dado início à tão aguardada reunião.

__Estou vendo que já estão acomodados e presentes os 16 convo-cados e posso dar a notícia que muito me agrada e espero que ve-nha agradar igualmente a todos. O crescimento de nossa indústria tem sido promissor, graças ao bom desempenho de todos nossos empregados e, graças a esse crescimento, algumas inovações tor-nam-se necessárias serem feitas. Uma delas é a nomeação de che-fias e principais responsáveis por cada um de seus respectivos seto-res de trabalho. Estamos iniciando este nosso projeto organizacio-nal nomeando o nosso colaborador e amigo de todos vocês Gabriel, como chefe do setor de funilaria.

Todos levantaram-se aplaudindo o colega recém-nomeado e canta-ram uníssonos “Gabriel é um bom companheiro... e ninguém pode negar”. Gabriel levantou-se e agradeceu acanhadamente, envolto num turbilhão de emoções. Em seguida, um dos amigos começou a gritar: “Discurso, discurso, discurso...”. Logo seu pedido foi en-grossado pelo coro de todos. Lá atrás permanecia Maurício senta-do, isolado, impassível, sem manifestar-se, catatônico, em eviden-te estado de choque.

__Gostaria de dizer algumas palavras, Gabriel? Perguntou o Sr. Durval.

__Sim! Gostaria de desabafar parte da gratidão que tenho guarda-da em meu peito.

__Por favor, suba aqui no tablado para que todos possam vê-lo e ouvi-lo.

Gabriel subiu no tablado e, com voz firme, dirigiu-se aos seus cole-gas, sem microfone, dada a proximidade da “plateia” ocupando as primeiras cadeiras, exceto seu gratuito desafeto.

__Primeiramente quero agradecer ao nosso patrão Sr. Durval, pela oportunidade que me está sendo dada e dizer-lhe que, conhecendo a equipe com quem trabalho, posso afirmar que não terei dificul-dade em chefiar o setor de funilaria. Em segundo lugar, faço um pedido especial aos meus companheiros para que em nada modifi-quem quanto à dedicação que sempre dedicaram no exercício de suas funções profissionais e que, lembrem-se sempre que, antes do chefe encontrarão em mim um amigo pronto para lhes estender a mão. Obrigado!

Todos de pé aplaudiram Gabriel e, em fila organizada, um por um fizeram questão de abraçá-lo e parabenizá-lo, augurando-lhe su-cesso. Maurício que estava junto à porta de saída, levantou-se e foi embora, antes da reunião ser dada por encerrada.

Poucos minutos depois, às 12:00h, novamente o refeitório estava cheio com o operariado para almoçar. A conversa reinante foi so-bre a nomeação de Gabriel que em nada mudou seu humilde com-portamento, participando do papo com seus colegas e tendo sua refeição interrompida amiúde para receber os cumprimentos dos amigos de outros setores. À distância, Maurício devorava seu almo-ço para poder retirar-se, o mais rápido possível do refeitório.

Por volta das 15:00h, Maurício resolveu dirigir-se ao seu chefe re-cém-nomeado.

__E então, Gabriel, quando é que serei demitido? Hoje ou amanhã?

(3ª Parte)

__Maurício, caso você aceite, gostaria de podermos conversar de-pois do expediente, em um local tranquilo e menos barulhento do que este. Você concorda?

__Tá legal! Eu conheço um bar aqui perto que costumo frequentar. Enquanto tomamos umas cervejas, você me diz quando serei des-pedido.

__Não Maurício, eu não bebo e penso em um lugar maravilhoso em que poderemos desfrutar de um silêncio aconchegante na presença de Deus...

__Você ficou maluco? Esse lugar não existe!

__Existe sim, e você vai gostar de conhecê-lo.

__Onde é isso, afinal?!

__Numa igreja que não fica tão perto quanto o bar que você fre-quenta, mas vale a pena andarmos um pouquinho mais até lá.

__ Mas eu não sou religioso. Não ligo pra essas baboseiras!

__Você não precisa ser religioso para entrar na Casa de Deus. As portas de uma igreja sempre estarão abertas para aqueles que qui-serem ter minutos de paz e meditação. Você não acredita em Deus?

__Acreditava. Tem muito tempo que deixei de acreditar! Acho que sou ateu!

__Olha, vamos nos encontrar depois do expediente no portão da saída da fábrica. Esta guilhotina é perigosa e exige minha concen-tração, senão acabo ficando sem alguns dedos da mão. Combinado?

__ Tá legal! Quero ver o que você tem pra conversar comigo, além da minha demissão!

Às 17:30h a sirene da fábrica soou avisando o encerramento do ex-pediente daquele dia. Normalmente Gabriel continua trabalhando até o segundo apito às 17:45h, mas naquele dia ele não quis atra-sar-se para o encontro marcado com seu colega Maurício. Tomou um banho rápido, guardou o macacão, capacete e botas no seu es-caninho e vestiu-se com trajes usuais, saindo de cena o operário e voltando ele a ser um cidadão comum para se misturar à multidão de irmãos anônimos que transitavam lá fora.

Maurício já o esperava no local combinado e ambos caminharam la-do a lado, em silêncio, rumo ao templo sagrado em que iriam con-versar. Em lá chegando, adentraram a Igreja vazia. Gabriel fez o sinal da Cruz e sentou-se num dos últimos bancos; Maurício, sem qualquer cerimônia sentou-se ao seu lado, admirando as pinturas no teto e os quadros sacros dependurados nas paredes revestidas de lindos mosaicos. De soslaio Gabriel observava suas reações, principalmente quando seu olhar pousou sobre a Imagem de Jesus Cristo Crucificado no altar-mor da Sé.

__Maurício, você tem filhos?

__Tive apenas um que morreu de leucemia, quando ia fazer quatro aninhos.

__Você me disse que não é religioso e que não acredita em Deus. Porquê?

__Quando perdi meu filho há 12 anos, deixei de crer e confiar em Deus!

__Maurício, eu tenho três filhos. O mais velho tem 10 anos e é to-talmente dependente de mim e de minha mulher. Vítima de uma doença congênita e incurável; sobrevive vegetativamente entreva-do em uma cama e temos que dar-lhe banho, comida na boca, virá-lo de posição, assisti-lo em suas necessidades fisiológicas, etc... Qual de nós dois teria mais razão para renegar Deus? Eu ou você?

__Você!

__Mas não O renego e agradeço a Ele todas as noites ao deitar-me, por agraciar-me por mais um dia que se passou. Nada acontece por acaso e Deus sabe dosar o peso certo da Cruz que suportamos car-regar. Você acredita em vidas passadas? Em reencarnação?

__Não!

__Pois saiba que em encarnação passada eu fui seu algoz e esta é a razão de sua antipatia por mim. Voltamos a estar juntos para ser-mos testados e eu agradeço a você pôr-me à prova. Considero estar me saindo a contento!

__Você está agradecendo a forma como o trato? Que espécie de re-ligião é a sua?

__Eu não tenho religião. Sou Kardecista, seguidor e adepto do Espi-ritualismo Científico. Minha doutrina não tem templos suntuosos e nem líderes aboletados em opulentos tronos. Nossos Líderes são espirituais: Allan Kardec, Adolfo Bezerra de Menezes, Chico Xavier, Madre Tereza de Calcutá e outros não menos importantes. Fre-quento reuniões aos sábados no humilde Centro Espírita Maria Ma-dalena, mas rezo em qualquer lugar, pois sei que Deus lá estará presente para ouvir-me.

__ E você escolheu uma Igreja Católica para conversarmos?

__Claro que sim! Aqui é uma Casa de Deus pronta a receber a quem dela quiser expor suas dores, fazer agradecimentos, pedir pelo seu semelhante ou conversar fraternalmente como estamos fazendo agora, independente do credo de cada um.

__Como se chama o seu filho dependente?

__Raul.

__Meus Deus do Céu! É o nome do filho que perdi vítima do câncer! Será possível que seu filho seja a reencarnação do meu?

__Difícil afirmar isso! Os desígnios de Deus estão longe do alcance de nosso entender.

__Gabriel, pelo amor de Deus! Posso visitar seu filho, agora?!

Maurício disse isso como que implorando, com os olhos marejados, enquanto dobravam os sinos da Igreja chamando seus fiéis para a próxima missa.

(4ª Parte)

__ Maurício, vou fazer uma curta oração e depois continuaremos nossa conversa lá fora – OK?

Sem esperar resposta, Gabriel deslizou suavemente do banco e ajoelhou-se de mãos postas em silêncio e de olhos fechados, oran-do: “Senhor, obrigado por todas as graças a mim concedidas e rogo que o irmão que está ao meu lado, volte ao Seu rebanho, desgar-rado que foi por um trauma sofrido e que o fez insanamente Rejei-tá-lo. Que assim seja amém!”. Quando abriu seus olhos, para gáu-dio e surpresa dele, Maurício estava ajoelhado ao seu lado, de mãos postas e chorando. Aguardou em silêncio que acalmasse seu transe; isso feito, perguntou-lhe:

__Maurício, porque choravas?

__Quis, mas não sei mais rezar. Juro que tentei e não consegui!

__Calma, Deus quer receber-te de volta. Vais conseguir...

Levantando-se, Gabriel fez o sinal da Cruz (Maurício imitou seu gesto) e caminharam para a rua. Parecia que ocorrera uma mudan-ça radical com seu colega e ele estava feliz. No caminho conver-saram.

__Maurício, será um prazer recebê-lo em minha casa. Vamos ao es-tacionamento da fábrica pegar nossos carros e você me segue, mas quero preveni-lo que Raul não será uma das melhores visitas que você já fez. Para retirá-lo do hospital e levá-lo para casa, tivemos que assinar um termo de responsabilidade, eu e minha esposa. Não tem havido progressos em sua melhora, pois já está custando a en-golir a comida pastosa que lhe damos nas refeições. Talvez venha a necessitar de passar a se alimentar com o uso de soros e isso vai dificultar ainda mais mantê-lo conosco. Se prepare, pois será uma experiência nada agradável para você. Seus olhos ficam permanen-temente fechados e quase não me lembro mais da cor verde de seus olhos.

__Meu filho também tinha olhos verdes. Vamos logo, por favor!

Pelo celular, Gabriel avisou à esposa que estava a caminho de casa e que levava um amigo com ele. Em linhas gerais colocou-a a par do motivo da visita inesperada. Ao chegarem, feitas as apresenta-ções, foram ao quarto onde Raul amargava seu repouso inanimado, numa penumbra iluminada fracamente por um abajur. Quando Maurício entrou no quarto pareceu balbuciar desarticuladamente, em voz baixa:

__Meu Deus! Cabelos ruivos!

Quase que empurrando o amigo, ajoelhou-se no chão junto à cabe-ceira da cama, e segurando a mão direita do menino, falou suave e insistentemente junto ao ouvido dele:

__ Raul... Raul... Raul...

A partir daí, um clarão invadiu o aposento como que um raio silen-cioso tivesse caído nas imediações. Uma forte corrente passou pelo corpo de Gabriel. Maurício beijou ternamente a testa de Raul e ele abriu os olhos olhando firme para o visitante, sorriu timidamente e apertou vigorosamente a mão que segurava a dele! Tudo aconteceu muito rápido e choraram copiosamente. Gabriel correu para cha-mar sua esposa.

__Francisca, vem aqui! Rápido!

__O que foi? Perguntou ela pousando na mesa a bandeja com cafe-zinhos que tinha acabado de fazer.

Puxada pela mão, Gabriel mostrou-lhe a cena. Raul olhando para o Maurício, sorrindo e apertando-lhe a mão. Ela não se conteve e gritou:

__Santo Deus! O que está acontecendo aqui?!

__Acho que estamos a caminho de um milagre!

Permaneceram estáticos por breves minutos, como partícipes da gravura de um quadro a óleo pintado numa tela por um artista ce-lestial. Tinham receio de falar e interromper o que estava aconte-cendo; se pudessem, até parariam de respirar.

Maurício tornou a beijar a testa de Raul e ele fechou os olhos. Olhou para os pais do menino, banhado em lágrimas, e disse orgu-lhosamente, sob forte emoção:

__Não posso sair daqui agora. Vejam como ele segura firme minha mão! Meu filho também tinha cabelos ruivos, acho coincidências demais! Raul é a reencarnação do filho que perdi antes de comple-tar seu quarto aniversário. Neste domingo, poderei trazer minha esposa aqui para visitar o Raul?

__Claro que sim! Adiantou-se Francisca a dizer antes do marido.

__Ótimo! Vou soltar os dedinhos dele da minha mão e já vou em-bora, não quero mais atrapalhá-los.

Antes de sair do quarto, Maurício deu outro beijo na testa de Raul, mas dessa vez não houve qualquer reação.

__Vamos tomar um cafezinho para comemorar esse acontecimento maravilhoso e depois vou levá-lo até o portão. Você sabe voltar so-zinho?

__Claro que sim! Amanhã nos encontraremos na fábrica?

__Certamente!

__Quer dizer que não estou despedido?

Gabriel olhou fixamente para ele e disse:

__Maurício, sempre precisei de você; agora, mais do que nunca. Jamais passou-me pela cabeça despedi-lo! Continuaremos lá na fu-nilaria dando o melhor de nós. – OK?

__Pode contar comigo Gabriel. E peço que me perdoe todo o com-portamento hostil com que sempre lhe tratei.

Trocavam um abraço apertado ali na sala, quando entraram os dois filhos mais novos de Gabriel. Estavam sujos e traziam uma bola nas mãos.

__Diretos para o chuveiro! Não quero nenhum dos dois sentados nos sofás, imundos dessa maneira. E não demorem que daqui a pouco vou servir o jantar. Sentenciou Da. Francisca.

(5ª e última parte)

Gabriel levou Maurício até o carro e novamente se abraçaram. Vol-tando à casa, de imediato assistiu Raul juntamente com sua esposa no que lhe era indispensável e, depois da janta, ao deitar, antes de conciliar o sono, em sua oração agradeceu a Deus pela força que lhe foi dada, por jamais revidar as provocações daquele seu irmão Maurício, sabedor de que alguma razão haveria para sua antipatia gratuita por ele. Agradeceu pela esperança que acenou para todos no olhar e naquele sorriso aflorado no rosto de seu filho ao ser despertado de sua semicoma quando fora insistentemente chama-do pelo seu amigo.

Dia seguinte, ao marcar o ponto, observou que Maurício já havia chegado. Ele assobiava enquanto desenvolvia seu trabalho; parecia feliz e este, ao vê-lo chegar, veio ao seu encontro.

__Bom dia Gabriel, estive pensando e pretendo acelerar meu ritmo de desempenho e vamos incentivar nossos colegas a fazer o mes-mo. Talvez ganhemos neste ano o cobiçado Troféu de melhor setor em produtividade. O que é que o Chefe acha?

__Eu acho maravilhoso se conseguirmos esse grande feito.

__Quando encerrarmos o expediente de hoje, posso ir com você fa-zer uma visitinha ao Raul?

__Claro, todos os dias que você quiser ou puder. Acho que existe uma benéfica empatia espiritual entre vocês dois e deposito nesse relacionamento uma grande esperança positiva para as melhoras de meu filho.

__Ótimo! Também gostaria de, aos sábados, ir com você ao Centro Espírita Maria Madalena, preciso fazer as pazes com Deus. Agora vou continuar minha azáfama, pois já perdi muito tempo conver-sando com o amigo. E virou as costas, rindo e voltando a assobiar.

Na hora do almoço, no refeitório, foram juntadas umas mesas e to-dos os dezesseis componentes do setor da funilaria sentaram-se próximos. Entre uma garfada e outra, eufóricos, acordaram unâni-mes com a ideia de tentar ganhar o cobiçado troféu de melhor de-sempenho em produtividade e, concomitantemente, tornarem-se merecedores de uma eventual e justa melhoria salarial como in-centivo.

Assim foi feito com afinco e, dias antes do Natal, o setor de funila-ria consagrou-se vitorioso pela vez primeira, desde a fundação da Fábrica. No dia da festa de confraternização geral, Gabriel recebeu o cobiçado troféu das mãos do Sr Durval. Em breves palavras ele dedicou-o a todos os colegas de equipe dizendo que arranjaria um lugar de destaque para colocá-lo bem à vista no setor de funilaria e esperava que aquela conquista ora alcançada servisse de incenti-vo para outras mais. Que vários outros prêmios viessem a ser ex-postos ao lado do ora conferido, com a ajuda do maior de todos os amigos, nosso Amado Deus Criador! Visivelmente encabulado Gabriel recebeu uma salva de palmas de todos os amigos.

Dia seguinte, chamado em particular pelo patrão, foi indagado o que havia ele feito para resgatar a amizade daquele seu desafeto e como conseguira fazer com que o pessoal se dedicasse tanto ao trabalho, de forma nunca dantes acontecida.

__O senhor quer que eu seja sincero em minha resposta?

__Claro! Estou ansioso para ouvi-la!

__Nada! Tudo deveu-se ao seguimento de acontecimentos parale-los ditados por Deus. Sempre confiei nos caminhos traçados por Ele e nunca vacilei em meus passos. Pode crer senhor Durval que não passo de um mero discípulo de Deus, às vezes agraciado por Ele com algumas conquistas alcançadas em meus humildes objetivos.

__Bom, de qualquer forma, em que pese sua modéstia, quero dar-lhe parabéns e desejar-lhe perene sucesso em sua promissora car-reira. Estou pensando em nova promoção para você.

__Agradeço, mas não me coloque muito alto, pois sou acrofóbico.

Ambos riram e trocaram um forte aperto de mãos.

Os dias se sucederam e as visitas constantes de Maurício foram mi-lagrosamente benéficas ao Raul que já tinha sido retirado da cama e colocado em uma cadeira de rodas. Os médicos se surpreende-ram com as melhoras havidas e recomendaram exercícios fisioterá-picos específicos para ativação e fortalecimento dos músculos atro-fiados pela longa inatividade. Voltara ele a comer sem qualquer di-ficuldade de engolir os alimentos.

Todos ficavam felizes com cada sorriso de Raul e sua morosa mas crescente interatividade, querendo até expressar guturalmente al-gumas palavras. O futuro voltava a ser alvissareiro. A luz no fim do túnel era intensa e lá estava a sagrada imagem de Jesus Cristo de braços abertos, pronto para abraçar a cada um deles.

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Aqui termino, deixando a cargo de cada cristão, o promissor epílo-go deste conto.

Que teçam nas entrelinhas o alinhavo daquilo que não soube ex-pressar-me.

QUE DEUS ESTEJA PERENEMENTE NO CORAÇÃO DE CADA UM!

FIM

Ary Franco



Fundo Musical: Sol'itude - Ernesto Cortázar
 

 
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