Hamilton Naki: A vida do Cirurgião Negro vital para o 1º Transplante de Coração do Mundo

Fonte MSN – 22/07/2022
 


O sul-africano
Hamilton Naki foi um Cirurgião, Professor e Pesquisador que, autodidata e sem estudos formais de medicina, contribuiu direta e vali-osamente para o sucesso do primeiro transplante de coração de todos os tempos, realizado na África do Sul, em 1967.

A dimensão precisa e os detalhes dessa contribuição, porém, podem ter acabados soterrados pelo preconceito e o apagamento que marcam o Apar-theid e, assim, a forma como as memórias são contadas, guardadas e lem-bradas.

Hamilton Naki

O sul-africano Hamilton Naki, um dos pioneiros nas pesquisas de transplante de coração. © Foto de Vitor Paiva

Um gênio em um país racista

Negro e filho de uma família pobre em um país marcado pelo racismo radical, Naki nasceu em uma pequena aldeia chamada Ngcingane, em Cabo Leste, na África do Sul, e chegou à Universidade da Cidade do Cabo com 14 anos (e apenas 6 anos de escolaridade completos) para trabalhar como jar-dineiro.

Sua entrada na medicina se deu quase por acaso, convocado pelo médico Robert Goetz para assisti-lo nos laboratórios, inicialmente cuidando das jaulas dos animais utilizados como cobaias.

Hamilton Naki

Naki auxiliando procedimento na sala de cirurgia: oficialmente ele jamais operou uma pessoa. © Foto de Vitor Paiva

Aos poucos, porém, ele foi mostrando talento como assistente cirúrgico e mesmo com o bisturi, essencialmente em procedimentos com animais.

Anos depois, o médico Christian Barnard, que se tornaria o primeiro a rea-lizar o transplante de coração, percebeu suas capacidades especiais, e o chamou para ser seu assistente.

Apesar de seguir registrado como faxineiro e jardineiro, Naki passou a ser reconhecido como um dos quatro técnicos de laboratório de pesquisa da Faculdade de Medicina.

Mesmo sem formação, além de trabalhar ele podia estudar no laboratório, e recebia o alto salário do cargo que de fato ocupava.

Anos mais tarde, Barnard viria a dizer que seu assistente era “um dos mai-ores pesquisadores de todos os tempos no campo dos transplantes de co-ração”, e que “se Hamilton tivesse tido a oportunidade de estudar, teria se tornado um cirurgião brilhante”.

Christian Barnard

O médico Christian Barnard, o primeiro a realizar um transplante de coração no mundo. © Foto de Vitor Paiva

 

Vital pra técnicas de transplante

O conhecimento de Naki se revelou fundamental para o desenvolvimento de técnicas de transplante, reconhecimento de anomalias, se especiali-zando em cirurgias de fígado, e no ensino de centenas de estudantes ao longo dos anos.

Se não há controvérsias sobre seu talento e o impedimento provocado pelo racismo sistêmico e o preconceito – que privou o mundo de um médico ver-dadeiramente brilhante – a grande questão que permanece é sobre Naki ter ou não participado do histórico primeiro transplante de coração, que Bar-nard realizou em Louis Washkansky em 3 de dezembro de 1967.

Christian Barnard e Philip Blaiberg

Christian Barnard com Philip Blaiberg, segundo trans-plantado e o primeiro a sobreviver por mais tempo. © Foto de Vitor Paiva

Em entrevistas, nos últimos anos de sua vida, Naki afirmou que sim, estava na sala, atuou como assistente e até mesmo auxiliou na retirada do órgão do peito do paciente.

Pesquisadores, historiadores e especialistas, porém, negam tal possibilida-de, afirmando que, ainda que fosse totalmente capacitado, ele não era um médico formado, e sua participação seria ilegal – também por se tratar de um homem negro, em um estado racista como era a África do Sul no Apartheid.

Sala de Transplante

O contexto da sala de transplante de coração na Uni-versidade em 1967. © Foto de Vitor Paiva

A família de Naki, porém, discorda de tal conclusão, e reitera a revelação de que ele teria sim participado do procedimento.

Novamente, a força do preconceito e das práticas de apagamento que re-gem a história tornam difícil encontrar uma verdadeira versão para essa disputa de hipóteses.

Para além da controvérsia, o fato é que, de todo modo, o nome de Hamilton Naki tem de estar inscrito em uma das páginas mais brilhantes da história da medicina.

Hamilton Naki

Consta que, aposentado, Naki teria passado a rea-lizar cirurgias em uma clínica móvel. © Foto de Vitor Paiva

Ele era uma dessas pessoas incríveis que aparecem uma vez na vida.

Um homem sem formação, que dominou técnicas no mais alto nível, e as transmitiu a jovens médicos”, definiu Ralph Kirsch, chefe do Centro de Pesquisas do Fígado na Universidade da Cidade do Cabo.

Em 2002, quando o Apartheid já havia acabado, ele recebeu uma medalha de Ordem Nacional de Mapungubwe e, no ano seguinte, um diploma de notório saber de medicina pela mesma Universidade da qual se aposentou – como faxineiro e jardineiro.

Naki morreu em 29 de maio de 2005 aos 78 anos, por conta justamente de problemas cardíacos.


 
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