Viajando pelo interior do Congo - Parte 3
 
Recebi em 21/07/2022

O "bac" em plena travessia.

Só não dá pra escutar o motor resfolegando e reclamando pelo grande trabalho executado...

Após cada travessia agradecíamos o fato de ainda não termos sido comidos pelos jacarés...

VIAGENS PELO INTERIOR DO CONGO – Parte 4
Marcial Salaverry



Durante o tempo em estive no Congo, efetuei diversas viagens por essa re-gião.

As estradas continuavam sempre  a mesma “maravilha”, ou piores ainda, dependendo da quantidade de chuva que caísse.

Todavia, em outras viagens passei por outras situações, no mínimo curiosas.

Contá-las-ei aleatoriamente, sem especificar em tal ou qual viagem.

Em certa ocasião, estávamos chegando a um dos inúmeros “bacs” necessários para a travessia dos diversos rios que cortavam a região, fui surpreendido pela atitude do barqueiro que se limitou a dar de ombros  diante de meu pedido para atravessar.

Certo de que estava esperando o “matabisi” (gorjeta), preparei-me para en-fiar a mão no bolso, quando Alexander cutucou meu braço, apontando para o meio do rio.

Lá estava, nada mais nada menos, do que um alegre grupo de hipopótamos brincando, justamente no caminho da balsa.

Com aqueles alegres animaizinhos que, possivelmente deveriam estar ensaiando para o coral de Domingo, tal a farra e a cantoria, não havia a mínima condição de travessia, pois se eles resolvessem nos convidar para a festa, não sobraria nem um só pedacinho da balsa, ou do jipe e, lógico de nós mesmos, pois o hipopótamo tem aquela expressão simpática do gordo bonachão, mas é uma fera quando incomodado.

Só nos restou ficar aguardando que terminasse a “festinha”,  e os simpáticos bichinhos fossem para outro lugar, para descansar, pois se eles resolvessem dormir por ali mesmo, teríamos que esperar muito tempo.

Felizmente os “hipos”  são muito metódicos, e tem seus lugares próprios para repouso.

Assim sendo, após quase 4 horas de espera, pudemos finalmente atravessar o rio.

Em outra ocasião, tivemos um problema muito mais complicado do que encontros com elefantes, leões ou hipopótamos.

Foi uma espécie de entrevero com o pior dos animais que poderíamos ter encontrado: uma patrulha de soldados bêbados.

Por falta do que fazer, um pequeno pelotão de 14 soldados do “glorioso” exército congolês, resolveu “patrulhar” aquela estrada.

A meio de caminho, resolveram “encher a cara” com o famoso “vin de palm”.

Para melhorar tudo, cruzaram conosco.

Quando perceberam a aproximação do jipe, armaram uma espécie de tocaia na estrada, para surpreender-nos.

Conseguiram.

Calculem nosso susto, ao ver aquela turba, brandindo metralha-doras e revólveres, ordenando nossa parada.

Obviamente, paramos.

Pelas divisas, calculei que a turba estava chefiada por um sargento, justa-mente o mais bêbado de todos.

Maravilha.

Comecei a ver o tamanho do pepino que nos esperava.

Respirei fundo, procurando disfarçar o que  estava sentindo, dirigi um amável sorriso ao dito cujo, chamando-o da “mon capitain”.

Primeiro ponto.

O sargentinho adorou ser chamado de “capitão”.

Quis ver tudo.

Documentos, que quase examinou de cabeça para baixo (o documento, não ele).

Quando começou a abrir as malas e viu as peças do mostruário seus olhos brilharam com as diversas camisas e calças lá existentes.

Não preciso dizer que meu mostruário ficou seriamente desfalcado...

Ainda bem que já estava terminando a viagem.

Coisas do Congo...

Agora, que posso estar contando, posso assegurar que não é nem pouquinho agradável a sensação de estar diante do cano de uma metralhadora, principalmente levando-se em conta que estava nas mãos de um soldado bêbado.

Bastava um soluço qualquer, e eu não estaria aqui escrevendo estas reminiscências.

Depois que tudo passou,  Alexander e eu nos entreolhamos aliviados.

O único prejuízo foram as camisas e calças “presenteadas” aos soldados.

Seguimos viagem em paz.

Havia outra particularidade interessante nessas viagens.

A maioria dos comerciantes não gostava muito de usar cheques, por falta de confiança no sistema bancário do País.

Seus compromissos eram sempre  pagos em dinheiro.

Então, no último dia de visita em cada praça, era feita a “coleta”.

Passávamos em todos os clientes, efetuando os recebimentos, e o dinheiro todo era colocado em um daqueles baús.

Era o próprio “Baú da Felicidade”...

Agora, calculem o que poderia ter acontecido se “aquele” baú, não estivesse estrategicamente colocado no fundo do jipe, e os soldados o tivessem aber-to...

Felizmente as calças e as camisas encontradas interromperam a busca.

Essas viagens rodoviárias pelo interior do Congo, sempre mostravam ainda um outro lado, que merece um destaque especial.

Era o trabalho das Missões Católicas.

Geralmente instaladas em rincões bem afastados dos principais centros, os missionários procuravam fazer um trabalho humanitário e social digno de nota.

Quase sem recursos, somente com doações de particulares, procuravam melhorar a vida das crianças da região, ensinando-as a ler e escrever.

Esbarravam em um problema sério, que era o poder das crenças locais, que sempre eram um entrave para o trabalho dos missionários.

Além desse serviço humanitário junto aos locais, também davam abrigo a viajantes com problemas, como ocorreu comigo.

Enfim um trabalho nem sempre reconhecido, razão pela qual que-ro prestar minha homenagem a esses heróis dedicados, os missio-nários e missionárias, que prestavam um serviço humanitário de extraordinário alcance.

Realmente a dedicação com que esses abnegados se dedicavam ao trabalho era impressionante.

A qualquer hora do dia ou da noite, em caso de qualquer necessida-de, não hesitavam em ir às aldeias para socorrer quem precisasse de seus serviços.

Eram professores, enfermeiros, médicos, parteiros, mecânicos, enfim tudo que fosse necessário.

A remuneração que recebiam à guisa de salário era ridícula, algo como o salário de nossos professores, que sequer lhes permitia morrer de fome, pois não poderiam ser enterrados, por falta de recursos, e mesmo assim, com todas essas condições adversas, cumpriam sua missão.

Tenho que registrar essa fato como reconhecimento à sua ação.

Ainda há que se levar em conta que as Missões sempre estavam em locais isolados e, por isso, sofreram com as barbaridades cometidas durante as lutas pela independência...

Triste demais...

A história continua, e como sobrevivi a tudo, posso sempre estar desejando a quem o desejar, UM LINDO DIA...

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