Viajando pelo interior do Congo - Parte 2
 
Recebi em 31/07/2022


Cena típica nas estradas congolesas. Assim as mulheres carregavam as coisas.
Uma bacia com algumas pencas de banana equilibrando na cabeça, e o filho amarrado às costas.

 

VIAJANDO PELO INTERIOR DO CONGO – Parte 2
Marcial Salaverry


Após as peripécias para chegar até Bulungu, restava a etapa final da viagem, ou seja Bulungu/Kikwit, e depois a chegada a Bandundu, final da viagem...

Ufa!!!

A saída de Bulungu foi épica.

Meus amigos portugueses só me deixaram sair após o almoço.

Considerando que deveria enfrentar pelo menos 6 sacolejantes horas de es-trada (82 km), o almoço foi o mais adequado possível, ou seja, comida bem leve para não dar problemas no caminho.

Vocês conhecem a feijoada?

Pois é, uma versão portuguesa de nossa feijoada, com tudo aquilo que um dia pertenceu a um saudável porquinho vivo, só que, ao invés de feijão preto, feita com feijão branco.

E regado a vinho tinto.

Calculem em que condições comecei a enfrentar a estrada...

A feijoada por diversas vezes tentou sair, mas heroicamente consegui segu-rá-la, pois seria um desperdício.

Tava bem gostosa...


Para meu alívio, havia uma travessia de “bac”, ou seja, um arremedo de balsa para atravessar um afluente do Rio Congo.

Tentarei descrever.

Havia uma corrente atravessando o rio de lado a lado.

O “bac” estava preso a um gancho, e dois congoleses iam puxando por esse gancho.

Foi a primeira balsa movida a “chikwanga” que conheci.

As condições da balsa eram as mais precárias possíveis, as toscas tábuas es-talavam a cada puxada.

A todo instante, eu esperava que aquilo tudo arrebentasse e fosse literal-mente por água abaixo.

Há que se notar que passeando candidamente, haviam uns poucos croco-dilos naquele rio.

Juro que cheguei a ver um deles lambendo os beiços quando olhava para mim.

Bem, o importante, é que chegamos sãos e salvos do outro lado, e pudemos prosseguir viagem rumo a Kikwit.

A meio caminho, aconteceu um imprevisto.

Desabou um daqueles torós de verão, que deixou a precária estradinha, em condições deploráveis.

E o jipe passou a ter vontade própria e a deslizar doidamente naquele barro vermelho.

E se eu já estava apavorado, mais fiquei quando chegamos a um barranco.

A descida tinha a largura justa das rodas do jipe, que teria que colaborar, pois se derrapasse para a esquerda, cairia numa valeta da qual não sairí-amos nunca, e se derrapasse para a direita, despencaríamos na ribanceira.

Muito interessantes essas perspectivas...

Precavidamente, desci do jipe para, segundo aleguei ao Alexander, melhor orientá-lo do lado de fora.

Minha real intenção era estar fora do veículo, caso ele resolvesse derrapar.

Após 30 terríveis minutos, e graças às minhas orientações externas, Alexan-der conseguiu passar pelo barranco, e pudemos retomar a viagem para Kikwit, que parecia estar cada vez mais longe.

Finalmente chegamos e mais uma vez errei em minhas previsões.

Tinha calculado a viagem em 6 horas, mas “só’ levei 9 horas.

Ainda mais, cheguei coberto de barro, da cabeça aos pés.

Em Kikwit, cidade um pouco maior, deveria ficar 3 ou 4 dias lá, o que cum-pri com a maior das alegrias.

Como não existiam hotéis, os vendedores sempre ficavam hospedados na casa dos comerciantes, o que deveria sempre ser agendado com antece-dência, pois, para não ferir suscetibilidades, deveríamos sempre visitar  todos, almoçando na casa de um, jantando na casa de outro, tomando o café da manhã e dormindo na casa de outro, e anotar bem o revezamento para a viagem seguinte.

Após essa maratona social, a parte final, de Kikwit a Bandundu.

Fui informado de que haveria a travessia do Rio Congo.

Lembrei-me da balsa anterior e perguntei se essa seria melhor.

A resposta tranquilizou-me, mas não muito.

Enfim, seria ver para crer.

As condições da estrada, para variar, eram precaríssimas.

Positivamente, a suspensão daquele Land Rover era qualquer coisa de es-pecial, para aguentar aquele sacolejo todo, carregado do jeito que estava.

Finalmente chegamos à tão temida travessia do Rio Congo.

Realmente aquela balsa era bem melhor do que a outra, o que não represen-tava vantagem nenhuma, em termos de segurança.

Ao tentarmos entrar na balsa, o condutor limitou-se a levantar os olhos de sua modorra, limitando-se a dizer: não podemos atravessr agora.

Perguntei quando seria a travessia

Ele deu de ombros, dizendo não saber.

Já começava a me irritar com aquela displicência, quando Alexander, co-nhecedor do povo da região, fez-me um sinal e assumiu as negociações.

Depois de um certo tempo, Alexander disse que o problema era que ele não tinha gasolina para a travessia.

Nós tínhamos gasolina de reserva.

Problema resolvido.

Resolvido?

Que nada.

O homem não se mexia.

Alexander voltou à carga.

O cara estava com fome.

Demos comida.

Agora vamos?

Faltam as forças.

Demos cerveja, quente mesmo.

Pronto?

Quase... ainda faltava a instituição nacional congolesa.

Uma “molhadinha” na mão.

Após resolvermos a situação, a parte mais crítica, colocar o jipe em cima da balsa.

Depois, a grande aventura.

O motor da balsa insistia, resfolegava, querendo subir o rio.

Só que a correnteza era ao contrário.

Quem venceria a batalha?

Os crocodilos dentro do rio estavam na torcida.

Se fosse uma balsa de verdade, seria uma travessia para no máximo 30 mi-nutos.

Levamos “só” 2 horas.

Mas chegamos.

Mais um dia de regime para os crocodilos...

Após a visita aos comerciantes da cidade, teria que pensar na viagem de volta, em passar por tudo aquilo novamente.

De todos os problemas passados na vinda, o único que talvez não encon-traria, seria meu amiguinho elefante...

Talvez.

Bem, chegaremos lá.

E nessa expectativa desfrutei de UM LINDO DIA, ainda vivo,  e distante dos crocodilos...