Quarteto: Testamento de menino de rua


 
Recebi em 16/06/2005
 



Menino de Rua - Poetisa Tere Penhabe

Menino de Rua
Tere Penhabe

Menino de Rua, parceiro da lua
sua mãe é uma estrela, a que brilha mais
que lhe diz boa-noite, quando o sol se vai.
 
Seus sonhos, menino, tingidos de negro
insistem em ser, o seu grande segredo
não desista deles, você pode tê-los.
 
Menino de Rua, que a fome atenua
olhando a vitrina, no bar de uma esquina
dos doces que tinha, já nem lembra mais.
 
Seu olhar carente, que todos desmentem
ele é verdadeiro, o mais sério do mundo
não é o olhar de um vagabundo.
 
Menino de Rua, que o frio tanto açoita
que a chuva castiga e alonga sua noite
seja forte e consiga, encontrar seu norte.
 
Nem tudo está perdido, você será mais homem
que todos os outros meninos, se sobreviver
porque isso... Meu Deus, eu não sei!
*
Pivete - Poetisa Graça Ribeiro

Pivete


Te vejo roubando sonhos dourados
Te vejo em traseiras de ônibus
Te vejo enrolado em cobertores
Te vejo enrolado em si mesmo, com frio,
Te vejo transportando um revólver e a vida
Te vejo se defendendo de outras mortes
Te vejo pensativo, cismando o futuro...
Te vejo em bando, como bicho assustado
Te vejo cheirando cola
Te vejo sorrindo
"Cabeça feita".
Te vejo e não posso mudar nada.
Quisera te colocar no colo
Mas não posso.
Tua violência me assusta.
Tenho medo.


Graça Ribeiro
*
Testamento de menino de rua - Poeta Valeriano Luiz da Silva

Testamento de menino de rua

Valeriano Luiz da Silva

Sou menino de dor
Sem tutor ou curador
Sou menino atrapalhado
E também desmiolado

Como vivo ao relento
Aquecido pelo vento
Procuro no tambor o meu sustento
Às vezes lá está jogado meu alimento

Espero que na lei seja aceitável
Que eu deixe meus parcos bens
Para certo miserável
Pois não tenho um responsável

Meus bens estariam protegidos
Se eu tivesse curador
Mesmo após eu ter morrido
Seriam cuidados pelo mesmo ou tutor

Como um menor fazer testamento
Com um advogado fui buscar ensinamento
Mas o doutor foi violento
Achou que eu era ladrão em seu pensamento

Eu que fui muito traquina
Bati carteira nas esquinas
Morrer qualquer hora é minha sina
Já vou ao cartório ver o que a lei determina

Irei procurar o tabelião
Levo comigo a relação
Dos bens adquiridos na peregrinação
Mas não tenho deles documentação

Deixo meu testamento...
Para o Zé povinho sem alimento
O primeiro da relação é a chuva e o vento
Seguindo vem o sol, a lua e o firmamento...

O velho sobrado descoberto
A Fonte dágua da Praça Zé Alberto
Minha lata vazia de marrom glacê
Meu vidro limpo de azeite dendê

A lata foi meu prato na hora de comer
E o vidro foi meu copo na hora de beber
Deixo um lote cheio de mato que faz medo ver
Onde entre cobras e ratos eu dormia até amanhecer

Fica o velho tênis furado
Que da casa do rico foi furtado

Uma peça de fazenda, mas não de gado,
Cujo pedaço de pano foi meu acolchoado

Este testamento é irretratável e irrevogável
Ficam minhas chaves num envelope lacrado
Do sonhado automóvel tão desejável
E do utópico sobrado que nunca foi comprado.

Macapá – AP, 07/11/2004
valerianols@globo.com
www.albumdepoeta.com

*
Triste vida de Menino de rua - Poeta Valeriano Luiz da Silva

Triste vida de Menino de rua

Valeriano Luiz da Silva

Contam que minha mãe me concebeu

Quando eu era informe diz que se arrependeu

De um erro que cometeu...

Até parecia que o culpado fui eu


Falam que ela criou asa
E um dia fugiu de casa

Saiu pelo mundo perambulando

E acabou (se) engravidando


Não tinha responsabilidade

Não me gerou com seriedade

De quem é meu pai não sei a identidade

Dizem que ela queria me abortar por maldade


Assim que nasci...

Os primeiros anos não sei como vivi

Numa invasão eu cresci

Mas preferi ir pra rua e dormir no frio


Nunca me matriculei numa escola

Vivo furtando e pedindo esmola

Se estou triste ou alegre  me embriago no cheiro da cola

E o mundo é minha verdadeira escola


Sou menino de doze anos

Meu crescimento está demorando

Também quase não estou me alimentando

E até dos mendigos vivo apanhando


Quando vejo a autoridade

Só penso em maldade

Oh que infelicidade

É não ser gente de verdade


Quantos meninos vão pra escola

Nas folgas vão pra piscina ou jogar bola

Comem bem e andam de carro novo

Eu ando descalço sofrendo como cachorro


Quem dera alguém me desse um sapato novo

Eu fosse respeitado pelo povo

Mas minha esperança já está perdida

Mesmo que eu mude de vida


Ninguém vai acreditar

O povo não crê que menino de rua possa se regenerar

Se eu pedir lugar pra morar...

Duvido que alguém me dará


Se eu procurar emprego falam que vagabundo não entra lá

Se eu procurar escola a diretora não me matriculará

Antes vai dizer que os meninos vão se contaminar...

Porque meninos de rua são cheio de defeitos, pois só vivem

a vadiar...


Então minha gente vou prosseguindo meu destino

Acho que não vou longe...  Sinto  me fraco e vivo tossindo,

Não tendo alternativa continuarei roubando e pedindo

Uns correm de mim outros ao ver-me ficam rindo


Que esperança posso ter,

Se ninguém quer me compreender...

Talvez o destino do menino de rua seja matar ou morrer

Então se menino de rua não é gente eu prefiro
desaparecer...

Anápolis-Go 25/07/2004
valerianols@globo.com

www.albumdepoeta.com

*
Menino de Rua, Sem Futuro - Poeta Bernadino Matos

MENINO DE RUA, SEM FUTURO.
Bernardino Matos.

Saí de casa, por não suportar tantas carências,
por não entender as causas das agressões,
e não suportar tantas amarguras e ausências,
e ficar perdido no meio de tantas desilusões
mas dizem que do país eu represento o porvir,
perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


Fiz do banco de praça a minha cama,
debaixo de pontes,da insegurança me protejo,
das chuvas, dos ventos, do frio,da lama
vendendo drogas, cheirando cola, me vejo.
Mas dizem que do país eu represento o porvir,

perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


As escolas usam policiais como proteção,
é esse o seu maior marketing para os pais.
Sujo, maltrapilho, sou sinônimo de agressão
deixei de ser criança, sou ameaça pros casais.
mas dizem que do país eu represento o porvir.
perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


Deitado, num banco de praça admiro o céu,
vejo as estrelas, a lua e sinto tristeza,
não faço parte da sociedade, vivo ao léu,
para muitos sou uma aberração da natureza.
mas dizem que do país eu represento o porvir,
perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


Nos sinais de trânsito eu limpo vidros de carro,
percebo, que muitos procuram se proteger de mim,
pago um preço muito alto pra viver no desamparo,
mas continuo aguardando uma chance, mesmo assim.
mas dizem que do  país eu represento o porvir,
perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


Vendo drogas, fumo um baseado, cheiro cola,
alimento nas esquinas o vício do abastado,
os traficantes me protegem, essa é minha escola,
vivo sem instrução, sem calor humano, abandonado.
mas dizem que do país eu represento o porvir,
perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


Eu não entendo os suspiros dos casais de namorados,
quando contemplam a lua e as estrelas tão distantes,
presencio sussurros, suspiros,abraços prolongados,
sofro, me sinto só, são momentos  estafantes.
mas dizem que do país eu represento o porvir,
perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


Já estive na Febem, para receber maus-tratos,
repartindo com outros a mesma dor e desespero,
lá sem amor, sem carinho, somos apenas ratos,
aquilo é a expressão cruel da falta de desvelo.
mas dizem que do país eu represento o porvir,
perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


Se alguém me adotasse, me desse um lar, um abrigo,
me desse o direito de receber do amor as migalhas,
eu ficaria feliz, por não ser mais para muitos um perigo,
e não alimentaria  o sentimento de vingança dos canalhas.
mas dizem que do país eu represento o porvir,
perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


Não é por falta de recursos, que  assim me deixam,
fazem viagens inúteis e compram  avião de luxo,
fazem negociatas, compram votos, nem se queixam,
se dizem proletários, e que conhecem da miséria o fluxo.
mas dizem que do país eu represento o porvir,
perdido, desamparado, eu não sei pra onde ir.


Num futuro distante, eu espero que isso mude,
preciso ser integrado, receber amor, carinho,
mas sobretudo ter paz, esperança, não ser rude,
afastar mágoas  e sofrimentos, do meu caminho.
Poderei, então, do país representar o porvir,
e não mais viver perdido, sem saber pra onde ir.


Fortaleza, 22 de maio de 2005
*
Formatação
Lucia Trigueiro


 
 
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