Dignidade não se compra


      Para meu pai, a ética e o amor aos filhos estavam acima de qualquer coisa. Sua mãe era alemã e seu pai grego. Como para os estrangeiros (daquela época) a cultura estava acima de tudo, ele estudou muito, alem de falar seis idiomas, era formado em conta-bilidade.


      Infelizmente nunca teve uma oportunidade na vida de demons-trar seus conhecimentos. Sempre lutou com muita dificuldade para sustentar seus seis filhos, a esposa e a mãe doente.

      Uma das habilidades de papai era saber cerzir vários tipos de tapetes, como os belíssimos tapetes de seda, os maravilhosos tape-tes persa, e os raríssimos tapetes antigos. Como ele era poliglota estrangeiros de todos os lugares do Brasil o contratavam para fazer esse tipo de trabalho, em suas casas.

      Por ser culto, delicado e atencioso, algumas vezes, algumas damas, ricas e solitárias, dos lugares que ia trabalhar, lhe faziam propostas indecorosas. Claro é que todas elas eram exorcizadas por ele.

      Mas a proposta de uma dessas senhoras, entretanto, nunca foi esquecida por meus pais, e mamãe, sempre que podia relembran-do-a, contava para nós: “
Sabe seu pai ao voltar à casa de uma madame riquíssima, para terminar de cerzir um belíssimo tapete de seda, ao invés de ser recebido pelo mordomo, foi recebido por ela própria, que vestia uma camisa de homem. A camisa estava to-talmente aberta, e deixava à vista seu corpo, totalmente nu”.

      A casa aparentemente estava vazia.

      Segurando-o pela mão ela o levou à sala de visita e pediu que papai se sentasse, pois queria conversar com ele. Assim que papai obedeceu ela lhe deu um papel para ler. Era um contrato assinado por ela com firma reconhecida.

      As cláusulas do contrato eram as seguintes: Ela contratava pa-pai por 20 anos. Ele deveria acompanhá-la pelo mundo em suas viagens. Mas para isso era necessário que ele largasse a família. Em troca, ela nos daria uma casa de presente (
assim não precisaríamos mais pagar aluguel), os estudos de seus seis filhos, seriam custea-dos, por ela, até o termino da faculdade, mamãe receberia uma pensão (entre parênteses a importância), corrigida todos os me-ses, para ajudá-la a manter toda a família com conforto.

      Meu pai perplexo retrucou que era casado e que amava minha mãe. Ela respondeu que isso não lhe importava, que ela queria ficar com ele.

      Com a delicadeza que lhe era habitual papai lhe respondeu: - Amo minha esposa, não a trocaria por nada.

      Levantou-se, e dirigindo-se a outra sala, terminou o serviço que havia começado.

      Alegando estar sem dinheiro, naquele momento, a madame pe-diu para que papai refletisse sobre sua oferta e voltasse outro dia para receber e dar-lhe a resposta.

      Papai não voltou.

      Inconformada, ela lhe mandava recados para ele ir buscar seu pagamento.

      A cada recado recebido, mamãe, no lugar de papai, se dirigia à casa dessa pessoa, mas, ao tocar a campainha, ninguém a atendia.

      Apesar dos bilhetes continuarem vindo todas as semanas, meu pai nunca mais voltou à casa daquela mulher, e, portanto, nunca recebeu a importância que ela lhe devia.

      Com sua atitude mostrou a ela, que dignidade não se compra.

Muriel E. T. N. Pokk
Texto registrado em cartório


 

 
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