Atitudes preconceituosas


      Um desabafo diante do preconceito contra as pessoas com de-ficiência.

      Fazendo pesquisas em escritórios, fábricas, oficinas, etc., vi que o preconceito é acentuado contra o portador de deficiência.

      Vi chefes, encarregados e funcionários em geral que tomam atitudes preconceituosas, sem ao menos tentar ver as qualidades do ser humano, sem ao menos tentar ver todo o esforço que faz o portador de deficiência para no trabalho dar o máximo de si mes-mo.

      Eis alguns absurdos que presenciei.

      1) Ao ser comunicada sobre o tratamento dado a um portador de deficiência visual numa agência de empregos, eu mesma resolvi me passar por deficiente visual e fui pedir emprego nesse local.
      Logo que cheguei, um rapaz perguntou o meu nome e me fa-lou:
      - Senta nessa cadeira aí.
      Claro que vi a cadeira, mas procedi como um deficiente visual. Tateei com a bengala ao meu redor, procurando a cadeira - a ca-deira estava mais ou menos há um metro e meio de distância de onde eu estava. Uma moça que portava muletas e estava procu-rando emprego também, levou-me até a cadeira.
      Chamaram o meu nome. Ninguém me disse onde se localizava a mesa.
      A mesma moça, com pena de mim, segurou-me pelo braço e le-vou-me até a recepção.
      Assim que cheguei à mesa, a recepcionista estendeu a mão pa-ra cumprimentar-me. Mas sua mão ficou ali parada "
no meio do ca-minho" esperando que minha mão fosse até ela.
      Depois de alguns segundos, ela abaixou a mão, pegou um for-mulário e estendeu-o para mim, pedindo que eu o preenchesse com meus dados.
      Claro que não peguei o papel... um deficiente visual não vê o que lhe está sendo oferecido.
      A moça franziu o sobrolho, deu um suspiro irritado, segurou minha mão e colocou o papel sobre ela.
      Passei a mão sobre o papel e disse:


      - Não está em Braille.

      Ela respondeu com mais irritação:

      PEDE PRA ALGUÉM PREENCHER PARA VOCÊ.

      2) Minha amiga paraplégica contou-me sua odisseia para ir pro-curar emprego.
      Resolvi mais uma vez passar-me por portadora de  deficiência. Desta vez eu era uma cadeirante.
      Precisava saber se todos que eram obrigados a andar de cadei-ra de rodas eram tratados da mesma forma que ela fora, ou se  o caso dela tinha sido um caso a parte.
      Pedi uma de suas cadeiras de roda emprestada, sentei-me nela e fui para a rua.
      Já na rua, rente à guia comecei a fazer sinal para os táxis que passavam, mas, mesmo eles estando vazios, não pararam. Depois de muito tempo, já cansada de acenar, expliquei a um transeunte minha situação e pedi a ele que parasse um táxi para mim. Ele gentilmente sinalizou para um táxi que passava, imediatamente o mesmo parou.
      Quando o taxista soube que a pessoa que acenara não iria co-migo no táxi, ele não aceitou me levar. Tentei lhe dizer que sabia me locomover sem ajuda, mas de nada adiantou. Parecia que ele não ouvia o que eu dizia.
      Rispidamente falou:


      - NÃO VOU FICAR CARREGANDO NINGUÉM NO COLO.

      Bateu a porta do carro e se foi.
      Um outro táxi parou. Antes de ouvir algum desaforo, eu expli-quei a ele sobre experiência que estava fazendo, assim, só assim, foi que ele me levou até a cidade.
      Finalmente, cheguei ao prédio onde se localizava a firma em que ia fazer a entrevista.
      Entrei, segui por um corredor para pegar o elevador. Qual não foi minha surpresa, quando me deparei com os cinco degraus  que me levariam ao corredor onde se encontrava o elevador. Procurei, mas não localizei nenhuma rampa que me possibilitasse  ultrapas-sar esse obstáculo... nem sequer havia portaria onde eu pudesse pedir ajuda.
      De posse do celular, liguei para a firma e disse que já chegara e me encontrava no térreo. Expliquei que por causa do obstáculo encontrado não havia como chegar ao décimo segundo andar - on-de se encontrava a empresa.
      Esperava que eles dissessem que iam mandar alguém para me au-xiliar, mas, infelizmente a resposta que ouvi foi:

      NÃO PODEMOS FAZER NADA.

      Creio que o mínimo que a firma deveria fazer era avisar-me des-se empecilho, uma vez que sabia ser eu uma cadeirante.

      3) O elevador chegou e nós entramos - eu, um rapaz de uns quinze anos e um senhor que portava nanismo.
      Dirigindo ao jovem, o senhor, com delicadeza, solicitou:
      - Meu jovem, aperte por favor o botão do décimo quinto andar, pois como você vê, eu não alcanço.
      Mas o jovem rindo:
      - Ó meu, vê se se manca, num sou babá de baixinho, não. Arru-ma um banquinho... se vira meu.
      Ao ouvir tal absurdo, eu mesma acionei o botão que o senhor desejava.


      4) Fui com minha filha Rita de Cássia - portadora da Síndrome de Down -, a uma agência de viagens onde ela foi se apresentar para trabalhar. Conversava com o dono da empresa, quando este pediu licença e se ausentou por uns minutos. Nesse meio tem-po, uma funcionária se aproximou de mim e perguntou:
      - Sua filha vai trabalhar aqui?
      Respondi que provavelmente ela iria, sim.
      Então ela murmurou ao meu ouvido:
      - Sabe sou muito nervosa, às vezes eu grito com o pessoal daqui. Estou com muito medo que sua filha FIQUE RAIVOSA quando isso acontecer E ME JOGUE PELA JANELA.

      5) Este caso aconteceu com uma grande e querida amiga que é portadora de deficiência auditiva profunda.
      Ela trabalhava há um ano e meio numa indústria de cosméti-cos. Saía de casa todos os dias de madrugada, às três horas e trinta minutos.
      Tomava o ônibus da firma às quatro horas, e batia o ponto às seis horas.
      Um dia ela tocou a campainha da minha casa e, quando abri a porta, encontrei-a chorando. Ao indagar o porque de seu choro, ela me disse que havia sido despedida. Dizia que não sabia o por-que da dispensa, pois não fizera nada de errado, e nunca faltara ao serviço, nem um dia chegara atrasada.
      Ainda chorando, pediu para que eu voltasse à firma com ela.
      Lá fui eu para outra cidade para tentar ajudar minha amiga.
      Logo que chegamos, ela me apresentou sua chefe - fazia ape-nas um mês que essa pessoa ali trabalhava.
      Perguntei-lhe porque minha amiga fora despedida. E ela:
      - Despedi a Renata - nome fictício - porque ela não sorri nunca. Não dá pra trabalhar com uma pessoa assim, sempre de cara fecha-da.
      Ao ouvir o motivo dado para a dispensa de Renata, não pude acreditar no que ouvia. O motivo era torpe.
      Perguntei-lhe:
      - A senhora tentou conversar com ela e explicar-lhe que ela de-veria sorrir e ser mais simpática?
      E ela:
      - Não consigo me fazer compreender, nem entendo o que a Re-nata fala, pois desconheço a linguagem gestual dos surdos-mudos.
      O antigo encarregado do setor em que trabalhava Renata che-gou nesse momento. Perguntei-lhe se ele tinha alguma reclamação quanto ao trabalho dela, e ele respondeu:
      - Ela era uma ótima funcionária, trabalhava muito bem e fazia seu trabalho rapidamente. Quando terminava o mesmo, ia aju-dar os colegas mais lentos.
      Então a chefe retrucou:
      - Renata empilhava as caixas de forma errada. Eu mandava que ela empilhasse as caixas de forma diferente, e ela desobedecendo, explicava que as caixas deviam ser empilhadas como ela estava fa-zendo. Renata queria, passar por cima de mim e dar uma de chefe.
      Renata respondeu que aprendera com o chefe anterior a colo-car as caixas daquela maneira, pois de outra forma as caixas cairi-am - o que já havia acontecido várias vezes.
      O encarregado concordou com Renata.
      Foi uma pena eu não ter levado um gravador para gravar toda essa conversa.
      Mas, como não fiz isso, ficam aqui meu desabafo e as pergun-tas:


      - Uma pessoa deve ser despedida por não sorrir?

      - Como sorrir sem motivos, trabalhando o dia inteiro em pé, car-regando caixas e caixas pesadas, após ter levantado às três e meia da madrugada?

      - Como sorrir, quando se leva bronca por fazer o serviço corre-tamente e seu superior incompetente o manda fazer um serviço de forma errada quando o chefe anterior explicou como o serviço devia ser feito para ser perfeito?

      - Como sorrir tendo uma chefe que não está preparada para compreender um portador de deficiência auditiva, que não conse-gue entender Libras e que muito pouco faz para compreender a comunicação labial?

      Apesar de tudo, ainda creio na humanidade. Acredito que um dia os portadores de deficiência serão amparados amplamente, não só pelas leis, mas por pessoas que tenham amor no coração e sejam realmente capacitadas para entendê-los.

Muriel E. T. N. Pokk
Texto registrado em cartório

*Muriel E. T. N. Pokk é criadora da primeira sala, do Brasil,
de bate-papo para pessoas com deficiência.


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