Inverno


            Antes de o inverno chegar vem o outono. Então as noites vão ficando mais longas e solitárias. As folhas cairão abatidas pelo vento e as crianças não brincarão mais nas praças. Tudo irá emudecendo e nas praias desertas somente se ouvirá o barulho do mar revolto. A chuva por certo virá e os notívagos perdidos pelos bares brindarão à tristeza. O amanhecer parece que não virá mais, porém, meditando, por ele esperarei entre um gole e outro; e, no fim da noite, quando me levantar, ao chegar à porta verei que continua escuro... E então notarei que envelheci...

            Retornarei para o bar e, sozinho, continuarei meditando e esperando pelo inverno até que as últimas folhas caiam e o derradeiro raio de luz perca o seu brilho e pelo horizonte se disperse.

            Qual Cerimonial Marítimo, meu corpo poruma rampa deslizará, por sotavento, e mergulhará no oceano sem um murmúrio sequer. Talvez uma lágrima furtiva escape dos velhos amigos, no entanto, o mar se fechará e voltará de novo a primavera.

            Muitos não acreditarão que eu me fui e ressuscitarei em cada ilusão; em outros portos nem saberão que eu parti para sempre e continuarei vivendo em outros corações. Os peixes repartirão o meu corpo, entre eles se multiplicarão, e eu renascerei em cada parcela dividida. E se fui um bravo, o murmúrio do vento trará em seu seio a minha história e me imortalizarei na lenda. Talvez alguém me espere inutilmente em um cais e, quem sabe, até chore ao saber que não virei mais. E assim, milagrosamente, reviverei nesta lágrima...

            As estações passarão para todos. Uns, naturalmente, substituirão aos outros. Muitos chegarão à porta e retornarão às suas mesas, uma, com certeza em que sozinho estive. O timão, solitário, obedecerá a outras mãos, enquanto, implacável, o navio seguirá a sua rota...

            Passarão os anos. O vento trará tantas lendas que a minha será esquecida e eu serei esquecido. Provavelmente aquele alguém que me esperava no cais estará esperando por outro. E eu morrerei novamente naquela lágrima.

            O meu corpo desfeito virá ter a praia, sob forma de ondas, enquanto as crianças comigo construirão castelos na areia, que virão logo abaixo, pois nada mais serão que ruínas do que outrora foi um homem.

            Ficarei então na beira da praia até que ela se torne deserta e eu volte a ouvir somente o som do mar revolto

Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ - 18/04/1964




Fundo Musical: Oaxaca - Ernesto Cortázar
 

 
Próxima Crônicas Menu Principal