Da minha janela...


         Da minha janela vejo a vida passando no sorriso das crianças assim como a morte espreitando no caminhar resignado dos idosos. Vejo a riqueza que passa em luxuosos carros e a pobreza dos gritos repetitivos e desanimados dos que oferecem inúteis mercadorias às pessoas que passam na velocidade inexplicável da vida. Do alto admiro o caminho formado pela copa das árvores. Parecem nuvens esverdeadas que se estendem debaixo da minha janela. Brincam de esconder, por momentos, as pessoas que passam. O dia, na cumplicidade do barulho, grita, buzina, inventa sons desconexos, sem nexo... Na escuridão da vida, um ceguinho canta refrões para induzir passantes a uma esmola deixar. No reflexo da vitrine, por instantes, o olhar se perde no desejo.

         Da minha janela vejo a ilusão passar abraçada ao sorriso dos estudantes. O sexo contorcendo-se de prazer na irresponsabilidade gostosa da adolescência. O biscateiro parado na esquina, aguardando alguém que dos seus préstimos venha a necessitar. O bom dia cordial do jornaleiro que é crente, mas eu, descrente. O gesto largo do guardador de carro a indicar a manobra certa para estacionar. Sinto o rotineiro pulsar do dia na expectativa de que novo fato venha alterá-lo...

         Da minha janela vejo o dia perder o brilho e em noite se transformar. Luzes se acendem amenizando a escuridão. Junto chega o silêncio e a vida vai adormecendo nos lares. Uma a uma, as luzes vão se apagando até que a madrugada chega. Serena, misteriosa... Apenas a música de um piano me acompanha marcando com seus acordes o passar lento dos segundos. Pela minha janela vejo apenas a escuridão. A quem olhar pelo lado de fora, minha janela parecerá um quadro envolvido por branca moldura. Na tela um homem solitário escreve algo em um computador. Próximo um abajur o ilumina. Como por encanto, a tela se modifica... Agora ele aparece na janela olhando para as estrelas. Não aquele olhar banal, rotineiro, mas um olhar repleto de ternura, de saudade da época em que elas o guiavam pela escuridão dos mares. Elas, entristecidas e condenadas a permanecerem mudas, distantes, como dois amantes que não poderiam jamais se tocar. Ele, jovem, sonhador, querendo conquistar o prazer da vida, a sua essência, os seus encantos e desencantos, os seus amores e desamores. Fingindo, com perfeição, que não sabia que ela era tão curta.

         Da minha janela agora ouço passos apressados que passam quebrando o silêncio da madrugada. Parecem em descompasso com o momento. Nervosos se afastam carregando no seu rastro o único sinal de vida desta noite. Surpreso observo que restos da Lua ainda ficaram espalhados pelo chão. Caprichos da noite...

         Finalmente fecho a minha janela. A madrugada segue encoberta pelo silêncio. Quem de fora minha janela olhar agora, nova tela verá. A sombra de um homem, pensativo, que tentará reencontrar a vida na irrealidade do sonho.

Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ - 02/01/2006




Fundo Musical: Alone
 

 
Anterior   Próxima Crônicas Menu Principal