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			Debalde querer lutar contra o tempo.
 Dia 24 de novembro do distante 2011, um dia antes de meu 
			ani-versário, quando alcancei meus 78 anos de idade, vencia-se a 
			vali-dade da minha carteira de habilitação para dirigir veículos.
 
 Lá 
			fui eu ao DETRAN levando minha filha mais nova a tiracolo.
 
 Bom dia, disse cumprimentando uma das recepcionistas.
 
 Bom dia, respondeu-me ela.
 
 Em que posso servi-lo?
 
 Quero saber sobre os procedimentos a tomar para renovar minha 
			carteira de motorista.
 
 O Sr, está com a antiga aí?
 
 Sim!
 
 E comecei a procurá-la na minha capanga.
 
 Como demorei mais de dois 
			segundos para achá-la, minha filha, fa-lou-me para deixar que ela 
			procurava.
 
 Entreguei-lhe a capanga.
 
 A partir daí, “fiquei de lado”.
 
 A carteira foi entregue à moça, fez 
			umas anotações numa ficha e pediu que minha filha desse o meu CPF e 
			a minha carteira de iden-tidade.
 
 Com desprendido estoicismo atrevi-me a dizer os números de am-bos de 
			cor.
 
 Recebi de volta da moça um piedoso sorriso de soslaio e ela 
			copiou os números depois de estar de posse dos documentos entregues 
			pe-la minha filha.
 
 Por causa da idade, ele está dispensado de pagar o DUDA e só pre-cisa 
			tirar uma foto.
 
 Qual o melhor dia para marcarmos?
 
 Minha filha perguntou:
 
 Pode ser quinta-feira à tarde?
 
 16:30h está bom?
 
 Está ótimo!
 
 Então é só isso, ele vai ter que pagar na hora R$ 52,00 pelo exame de 
			vista.
 
 EI! EU TÔ AQUI! PENSEI INDIGNADO! SILENCIOSAMENTE! MUDO!
 
 Minha filha guardou os documentos de volta e entregou-me a ca-panga.
 
 Calado, dirigi de volta pra casa e pensando: por que um simples 
			de-talhe etário me torna velho?
 
 Sou um jovem, sinto-me jovem dentro 
			desta carcaça aparentemen-te velha, bolas!!!
 
 Se tivesse recursos 
			financeiros, uma plástica ajudaria bastante!
 
 Quinta-feira à tarde:
 
 Boa tarde!
 
 Vim fazer o exame de vista e tirar minha foto.
 
 Boa tarde!
 
 O Sr. está com o protocolo do agendamento?
 
 Sim!
 
 Está com a minha filha, ela preferiu ficar com ele, com medo de 
			que eu o perdesse ou esquecesse onde tinha guardado.
 
 Pronto, aqui está!
 
 Disse triunfante, minha filha.
 
 Obrigada, é só aguardar um pouquinho.
 
 Tem 5 pessoas na frente mas 
			ele será logo atendido.
 
 Idosos têm preferência no atendimento.
 
 Enquanto isso, entregaram-me uma ficha para ser preenchida e a moça 
			disse-me, mui carinhosamente:
 
 Qualquer dúvida é só perguntar, viu?!
 
 Irado, sentei-me naquelas cadeirinhas de colégio e preenchi tudo em 
			menos de dois minutos e assinei.
 
 Todos que lá estavam quando 
			cheguei, ainda estavam às voltas com o preencher de seus 
			questionários.
 
 Levantei-me para entregar à moça a ficha preenchida e 
			ela, sem ver, disse-me:
 
 Pode sentar-se lá que eu já vou lhe ajudar.
 
 Mas eu já acabei!
 
 Já?!
 
 Deixa eu ver aqui.
 
 Pareceu-me incrédula.
 
 Puxa, que rapdez... e 
			ta tudo certinho, parabéns!
 
 Agora, o Sr. vai tirar a foto, ali atrás 
			daquele biombo.
 
 Ironicamente, perguntei pra minha filha:
 
 Você não quer tirar a foto, 
			no meu lugar?
 
 Pode ser que eu não saiba...
 
 Ah! Pai!
 
 Vai logo e vê se não faz gracinhas, comporte-se!
 
 Fui pra traz do tal biombo e quem vejo.
 
 Uma linda morena, de olhos 
			verdes,
 
 Na juventude de seus 46 anos, mais ou menos...
 
 Boa tarde!
 
 Sente-se, por favor, mas não mexa na “cadeirinha”, ela já 
			está na posição exata para o seu “retratinho” ser tirado.
 
 Bolas! “Cadeirinha”, “retratinho”???!!!
 
 Ajeitou-me a gola da camisa, retirou-me os óculos delicadamente 
			(naturalmente para não arranhar a pele “do múmia”) e mandou-me olhar 
			fixamente para um determinado ponto.
 
 Não, não, não... o Sr. está olhando pra mim.
 
 Tem que olhar pra cá.
 
 Olha onde está o meu” dedinho”...
 
 Eu não estava olhando para você, estava olhando para seus olhos e 
			admirando as belas verdes lentes de contato que está usando.
 
 Não uso lentes de contato, meus olhos são verdes naturalmente...
 Desculpe perder-me 
		na vastidão de seu verde olharDesperta-me a beleza sedutora de um lindo sonhar.
 Se fossem azuis, castanhos ou outra cor qualquer,
 Atrairiam-me de qualquer forma, por seres mulher!
 
			Ah... o Sr. “era” poeta?
 Sim... “já fui poeta!”
 
 Vamos à foto – OK?
 
 Foto tirada, fui avisado que passaríamos à parte dactiloscópica.
 
 No 
			meu tempo de rapaz, séculos passados, lambuzavam meus de-dos numa 
			almofada para carimbos e saía todo borrado.
 
 Em alguns lugares, 
			forneciam uma toalha já mais suja que meus próprios dedos.
 
 Hoje, tem 
			um aparelhinho luminoso que colhe nossas impressões digitais.
 
 Agora, vou colher suas impressões digitais.
 
 O Sr. não vai poder 
			calcar demais; somente encostar levemente os “dedinhos”, um por um.
 
 Deixa que eu lhe ajudo.
 
 Vamos começar pela “mãozinha” direita.
 
 Me dê seu “dedinho” aqui.
 
 E 
			segurou minha mão.
 
 Toque suave e quente eu senti.
 
 Bom, aprendi que “dedinho” é o mínimo ou mindinho e dei-o, ou 
			melhor, emprestei-o pra Alexandra (nestas alturas já sabia o nome 
			dela).
 
 Então ela disse-me não.
 
 Tinha que começar pelo “gordinho” 
			(ela se referia ao polegar!).
 
 Terminadas ambas as mãos, as 
			impressões de três dedos não fica-ram boas e foram repetidas, para 
			meu gáudio...
 
 Obrigada, pelo versinho “seu Ary”.
 
 Acabamos.
 
 Agora o 
			Sr. volta pra 
			sala e aguarda o médico lhe chamar – OK?
 
 OK!
 
 Você é muito simpática... e simulei beijar-lhe a mão.
 
 Obrigada!!
 
 Mal sentei-me, o médico assomou a porta do consultório e chamou:
 
 Ary Mendes Franco!
 
 Eu! Às suas ordens, seu criado!
 
 Deu-me um amistoso tapinha nas costas e mandou-me entrar.
 
 Tudo bem, com o Sr.?
 
 Tem sentido tonteiras, dorme bem, sente 
			sonolência ao dirigir por longo percurso?
 
 Não Sr!
 
 Sinto-me ótimo para dirigir por mais uns 20 anos.
 
 Rimos!
 
 Estes óculos que o Sr. está usando são os mesmos com que dirige?
 
 São!
 
 Vamos ficar em pé.
 
 O Sr. vai encostar na porta e vem andando na 
			minha direção com os olhos fechados, Certo?
 
 Certo.
 
 Sem problemas fiz o percurso, ganhando nota dez.
 
 Agora, ainda com os olhos fechados, abra os braços como que 
			cru-cificado e coloque os dedos indicadores na ponta do seu nariz, 
			sem abaixar os cotovelos.
 
 Vapt vupt! Outra nota dez!
 
 Finalmente, vamos ao exame de vista.
 
 Tampe o olho esquerdo e diga-me 
			que letras e números está vendo.
 
 Apontou ele com uma varinha.
 
 A X Z Y K 8 S 7...
 
 Chega, agora tampe o olho direito e diga-me o que enxerga.
 
 3 C J 7 B ...
 
 Muito bem!
 
 Infelizmente (fiquei gélido de pavor) não posso lhe dar 
			mais 5 anos de habilitação, por força do sistema que só vai aceitar 
			3 anos, por causa da sua idade.
 
 Mas, se Deus quiser, daqui a 3 anos 
			estaremos aqui outra vez para novo exame.
 
 Dia 6 de dezembro pode 
			pegar sua nova carteira.
 
 Felicidades!
 
 Obrigado doutor.
 
 Feliz Natal e Próspero Ano Novo!
 
 Dirigindo de volta pra casa, com minha filha a tiracolo, pensei: 
			daqui a três anos, estarei com 81, Deus que me ajude, como tem 
			ajudado até aqui!
 
 Como será que eles vão me tratar?
 
 Nem quero 
			imaginar...
 
 Tá calado, pai! Ta pensando o que?
 
 Nada, nada...
 
        Ary Franco
 
  
 Fundo Musical: Love Story - 
		Ernesto Cortázar
 
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