Meu irmão (1971/1991)


Vinte anos de existência

Robson Leal da Motta, nasceu no município de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, no dia 03 de setembro de 1971.

Não conseguia pegar no sono; olhei o relógio e era uma e dez da madrugada, fui ao quarto dele; ainda não havia chegado, fiquei preocupada e voltei a me deitar.

Às duas horas, o telefone tocou e fui correndo atender e disse a minha irmã: "Deve ser ele avisando que vai dormir na casa de al-guém."

A voz era de uma senhora e dizia que era do hospital, falou o nome do meu irmão e perguntou se ele morava aqui e se conhecíamos Ri-cardo Lima Rodrigues, o rapaz que estava com ele.

Ela então contou que ele havia sofrido um acidente e que os pais precisavam ir ao hospital imediatamente, antes do dia amanhecer.

Desliguei o telefone e permaneci parada, meio abobada, por alguns minutos.

O vizinho levou meus pais e minha irmã ao hospital e eu fiquei no meu quarto orando e estava segura de que ele voltaria para casa nesse mesmo dia.

História do acidente: No dia 16 de agosto  de 1991, por volta de uma hora da madrugada, quando voltavam para casa (estava chovendo), meu irmão guiando sua moto Honda CB 400 e o Ricardo de carona, vinham a cento e trinta quilômetros por hora e, na Es-trada Jerônimo Monteiro, bairro Glória (Vila Velha - ES), proximi-dades da Fábrica de Chocolates Garoto, transitando sentido Vila Velha x Vitória, quando ao efetuar a curva para a esquerda, o veículo desviou para a direita, chocando-se contra a grade de pro-teção sobre a calçada, projetando condutor e passageiro contra a mesma, porém, Ricardo bateu o peito no muro tendo morte instan-tânea, e meu irmão, continuou segurando nos guidões, na esperan-ça de controlar a moto, sendo arrastado e rasgando a camisa e a calça e arranhando todo o peito e a barriga, depois ele soltou as mãos e caiu de lado, em cima de um meio-fio, machucando o lado esquerdo da cabeça, quebrando o bra-ço e a perna esquerda.

Foi socorrido por populares e encaminhado ao Hospital Evangélico (no bairro Alecrim).

Foram encontrar a moto a oitenta e três metros do lugar que meu irmão estava, e, fora o farol da frente e o de trás que se romperam e algumas peças que empenaram, ela estava em bom estado.

Os dois, não usavam capacete.

Ele ficou treze dias no Centro de Tratamento Intensivo em coma, respirando por meio de aparelhos e todo o tempo o médico deixou claro que a situação era grave: estava com traumatismo craniano e havia um coágulo de sangue no cérebro e era urgente realizar uma cirurgia, porém era necessário que ele se recuperasse um pou-co, senão, não aguentaria.

Havia adquirido pneumonia por causa dos arranhões (no peito e na barriga), que possibilitaram a entrada de sangue no pulmão.

A primeira vez que fui visitá-lo, fiquei chocada.

A aparência dele era horrível: aparelho na boca e nas mãos; estava com a barriga e o peito em carne viva; o braço e a perna esquerda engessados; os olhos inchados e semi abertos e quebrou três dentes da frente.

Toda vez que eu ia ao hospital, ficava ansiosa para que ele voltasse a si e falasse comigo, contudo, isso nunca aconteceu: ficou incons-ciente todo o tempo.

Eu tinha certeza que ele ia ficar bom e ficava imaginando o dia em que ele retornaria.

Os arranhões cicatrizaram, os lábios desincharam, sarou da pneu-monia, no entanto, o problema maior era o traumatismo crania-no... o cérebro deixou de funcionar e ele teve morte cerebral.

Nesse dia, meu pai amanheceu cismado, dizendo que teve um sonho ruim, e que precisava vê-lo; saiu de casa meio-dia, quando chegou ao hospital ele tinha acabado de falecer... às doze e qua-renta. Foi em 28 de agosto de 1991.

Após a aflição da perda do meu irmão, passamos por outra ainda maior: a polícia civil estava em greve e o Instituto Médico Legal es-tava fechado e enviaram todos os corpos para que fosse feito a au-topsia para o município da Serra, no Hospital Dório Silva.

Lá havia uma fila enorme de corpos esperando para serem libera-dos e alguns já não cheiravam bem.

Meu pai foi até lá com alguns amigos do meu irmão e com muito custo, briga e insistência conseguiu a permissão para levar o corpo, porém, teve que assinar um termo de responsabilidade por qual-quer problema que surgisse, pelo fato de não ter sido feito a auto-psia.

O corpo chegou ao velório às vinte e duas horas da noite.

O velório foi realizado no anexo da Igreja Católica do bairro IBES.

Sua fisionomia era tão tranquila... parecia que ele dormia.

Sentia uma sensação pesada dentro de mim, no entanto, não saía uma lágrima.

Todos se aproximavam de mim e diziam: "Meus pêsames", e eu não  encontrava palavras para responder.

Somente consegui chorar depois do enterro.

Foi sepultado no cemitério do bairro Santa Inês.

Pensei que  fosse minha mãe quem sofreria mais, porém, para meu espanto, meu pai ficou mais de duas semanas triste e falando nele.

Morrer é algo muito estranho!

Quando a gente não vê uma pessoa, mas sabe que ela está vi-va em algum  lugar, isso  nos consola, entretanto, quando não a ve-mos e estamos convictos de que nunca mais a veremos, isto é in-compreensível!

Se ao menos fosse possível ver o corpo intacto, isto seria uma es-pécie de prova que ele morreu, seria menos difícil de entender, porém, não há mais nada dele, apenas os ossos.

É como diz na  Bíblia: "Somos feitos do pó e ao pó retornare-mos." (Eclesiastes 3: 20).

Morrer é um grande mistério!

O espírito sai do corpo... e o corpo se faz pó.

Contudo, a impressão que tenho é que meu irmão não morreu, está viajando e vai chegar a qualquer momento.

Morrer é evaporar-se do planeta Terra, é deixar de existir, é desa-parecer... é conhecer os mistérios de Deus.

A Missa de Sétimo Dia, foi no dia do aniversário dele, quando com-pletaria vinte anos.

Ele era moreno, tinha um metro e setenta e cinco centímetros de altura.

Quando éramos crianças estávamos sempre juntos.

A morte de meu irmão me fez meditar sobre a vida, principalmen-te: "Não deixe para amanhã, o que você pode realizar hoje, porque talvez seja tarde demais."

Há tantas coisas que eu gostaria de fazer e de dizer e que estou sempre adiando!

Pensei muitas vezes que estava tudo errado.

Quem deveria ter morrido era eu, pois o meu irmão era tão alegre, animado, cheio de vida e eu, exatamente o oposto dele.

Por outro lado, refleti também que ele  teve  a chance de ser feliz e realizar alguns de seus sonhos, se eu ainda estou viva é porque tenho a oportunidade de conseguir todas as coisas que desejo mui-to.

Tive dois sonhos seguidos: meu irmão abria os olhos e se levantava e as pessoas iam embora do velório, pois havia sido erro médico.

Levei algum tempo para esquecer o cheiro que havia no quarto que ele ficou no hospital... era um odor forte de remédio, não sei ex-plicar exatamente como era...

O meu irmão pode ter morrido para o mundo, mas continua eterna-mente vivo em meu coração.

Rosimeire Leal da Motta
Vila Velha - ES


 

 
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