Diante do inusitado comportamento de Marcela, ele viu-se tentado a
aprofundar-se num diálogo com aquela bondosa moça, mas a atribulação de sua azáfama em servir todos os hóspedes obrigou-o a transferir seu intento para uma
hora mais apropriada.
__ Marcela, eu vou aceitar seu oferecimento, mas gostaria de conversar
com você a respeito. A que horas você sai?
__ Não antes das 14:30h.
__ Posso esperar você para falarmos?
__ Pois não... será um prazer!
E lá se foi ela atender um impaciente e atabalhoado que a chamava aboletado
à mesa quatro, querendo trocar o garfo que deixara cair no chão.
Dr. Wellington, digo, Olavo para dar tempo ao tempo, reco-lheu-se ao quarto
e, após escovar os dentes, deitado na cama mesmo vestido e calçado, barriga para cima, mãos entrelaçadas na nuca, olhar fixo no ventilador enguiçado com suas pás
estáticas no teto, fez um ligeiro retrospecto de sua vida. Casou-se cedo com a moça que namorava desde os tempos de faculdade e que acompa-nhou sua bem sucedida
trajetória no mundo encarniçado e compe-titivo dos negócios. Yolanda faleceu durante o parto de um menino que seria o sucessor de seu empório. Fora advertida
pelos médicos sobre o grande risco de morte que correria ao levar sua gravidez adiante, mas negou-se peremptoriamente a abortar o esperado Au-gusto. Grande mulher,
grande ser humano, grande companheira que sempre permaneceu ao seu lado e que morreu apertando sua mão com a força indescritível de um definitivo adeus.
Seus pais morreram em um desastre aéreo e ele, inda nos seus trinta e qua-tro anos, filho único, não sazonado, recebeu como herdeiro legíti-mo, a incumbência
de assumir a presidência das empresas de seu pai. Pós-graduado em administração de empresas, resistiu às ofer-tas de compra das fábricas e prosperou.
Coração endurecido pelas adversidades que o destino lhe impôs, não muito, ou quase nada se importava com o próximo.
Olhos umectados, levantou-se para beber um pouco d’água, mas a camareira não
tinha enchido o filtro, assim como não prima-va ela por fazer uma boa faxina no quarto e jogava de forma displi-cente sua pouca roupa lavada e passada sobre a cama.
Tudo conse-quência da omissão da convencional gorjeta; pobre Gertrudes, o oposto de Marcela.
Ao pensar na Marcela, consultou as horas em seu Rolex que esquecera de
deixar em casa e por isso não o usava no pulso, le-vando-o no bolso traseiro da calça. Os ponteiros indicavam a proxi-midade das 14:30h. Deu uma rápida penteada
nos cabelos e foi para a calçada oposta à porta da pousada.
Não muito depois surgiu a moça que despertara sua admiração e respeito.
Atravessou a rua e interceptou seus passos.
__ Esqueceu de mim, Marcela?
__ Absolutamente. É que não lhe vi ao sair.
__ Eu aguardava-a do outro lado da rua, na calçada oposta.
__ De quanto o senhor vai precisar? Podemos dar uma passada no Banco que
fica no caminho de minha casa.
__ R$ 260,00 seriam suficientes (inventei a quantia de impro-viso) e fica
combinado que pagarei a você no final desta semana. Sou vendedor de aparelhos eletrodomésticos e tenho comissões a receber sobre minhas vendas efetuadas. Mas,
por favor, não me envelheça com esse tratamento cerimonioso de senhor.
__ Combinado! Vamos então... A propósito, mês que vem so-prarei minha 36ª velinha.
__ Ih... quase uma década nos separa etariamente (rimos).
Nunca, jamais, em tempo algum, o silêncio sepulcral que in-terrompeu aquele
diálogo foi tão longo e constrangedor para Ola-vo. No caminhar emudeceu tentando achar palavras para dizer. Cada passo dado soava-lhe como o tic-tac de uma bomba-relógio
prestes a explodir.
__ A tarde está linda, principalmente quando à sombra, livre deste sol escaldante
(ela nada respondeu e ele achou-se um imbe-cil que deveria ter permanecido em seu mutismo).
Finalmente, “séculos e quilômetros” após, chegaram ao Banco e o dinheiro
sacado foi entregue sob absoluta confiança, com ne-nhum comprovante formal. Isso tocou Olavo no imo de sua alma, como uma lição de imenso valor aprendida.
__ Obrigado, Marcela, fique tranquila que não pretendo fugir (rimos). Não
querendo causar a impressão de ser inconveniente, apreciaria muitíssimo conhecer a senhora sua mãezinha. Você po-deria atender este meu pedido?
__ Claro que sim! Poderemos prosseguir a pé, Cidade pequena tem essas vantagens,
Tudo é perto, Mais algumas quadras e chega-remos à minha mansão. Espero que não repare!
Aquela palavra “mansão” despertou de súbito o Dr. Wellington para a realidade,
enchendo-o de uma culpa inocente por estar en-ganando Marcela e temendo a reação que provocaria nela quando soubesse a verdade sobre ele. Enfim, tarde se fazia para
que retro-cedesse e, agora, só lhe restava seguir em frente.