O Bêbado E A Equilibrista

Recebi em 19/01/2015
 

O BÊBADO E A EQUILIBRISTA (*)
(*) - Veja histórico da música no último quadro

Compositores: Aldir Blanc & João Bosco
Intérprete:
Elis Regina
 
 
 
Caía...
A tarde feito um viaduto
E um bêbado, trajando luto,
Me lembrou Carlitos...
 
A lua,
Tal qual a dona dum bordel,
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel...
 
E nuvens,
Lá no mata-borrão do céu,
Chupavam manchas torturadas,
Que sufoco!
 
Louco,
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil.
(Meu Brasil!)
 
Que sonha...
Com a volta do irmão do Henfil,
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete...
 
Chora, 
A nossa Pátria, mãe gentil.
Choram Marias e Clarisses(*)
No solo do Brasil...
(*) - V. histórico da música, abaixo
 
Mas sei...
Que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...
 
Dança...
Na corda bamba, de sombrinha,
E em cada passo desta linha
Pode se machucar...
 
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar...
 
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HISTÓRICO DA MÚSICA

Gravada em 1979, esta música de João Bosco (melodia) e Aldir Blanc (letra), retrata uma época marcante da História do Brasil e tornou-se um hino à anistia no período final da ditadu-ra militar iniciada com o golpe de 1964.

A letra é um discurso de denúncia e esperança: O “Bêbado” é a classe artística, representada pelo seu símbolo-maior, Carlitos, personagem de Charles Chaplin, com toda sua aura de liberdade e utopia.

Chaplin foi um artista cujo trabalho visava as pessoas menos favorecidas e no final dos seus filmes havia sempre uma estrada e uma esperança, onde Carlitos andava em direção ao in-finito.

A “Equilibrista” representa aquele fio de esperança que estava surgindo, a democracia.

Aldir Blanc foi muito feliz em representar algo tão tênue e incerto quanto nossa abertura polí-tica na figura de uma equilibrista.

Desta forma, ambas, a classe artística e a esperança de democracia, tinham que se equilibrar em suas “cordas-bambas” para poder atingir seus objetivos.

Aldir Blanc é considerado um poeta-repórter, pois seus textos geralmente são fatos de uma época, e o discorrer desta música traz imagens deste período de incertezas.

No verso “Caía a tarde feito um viaduto”, ele quer dizer que a tarde caía abruptamente, tal qual parte do Viaduto Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, que desabou em 1971.

“E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos”…

O “traje de luto” simboliza o estado no qual a classe artística se encontrava, na época, pela falta de liberdade de criação.

Invariavelmente, todo fim de tarde sugere melancolia e tristeza, uma vez que estamos saindo da claridade do dia para a escuridão da noite.

Aldir Blanc utilizou esta imagem para representar a situação na qual vivia o Brasil.

Além disso, sabe-se que as sessões de torturas eram realizadas nos porões do DOI-CODI du-rante a noite.

Sem luz própria, “A lua” assume as funções de “dona de bordel”, pegando emprestado um pouco de brilho das estrelas, exatamente como faz a cafetina com suas contratadas, e também para fixar a imagem de que naquele início de noite, tal qual prostitutas, as estrelas eram de brilho falso e sem vontade de brilhar.

Ainda com os olhos para o alto, há “as nuvens e o céu”.

Estas imagens nos remetem ao universo da religiosidade.

No final da década de 1970, quando o país discutia a anistia geral e irrestrita, a igreja católica demorou a se posicionar e acabou defendendo a anistia, mas com restrições.

A imagem de “mata-borrão do céu” demonstra o poder político e balsâmico da igreja.

Dentro do texto, o protesto contra as torturas que ocorriam na calada da noite fica evidente.

Para saudar essa noite do Brasil, só se justificava se fosse na alegria etílica de um bêbado.

Somente num estado de loucura se poderia reverenciar aquela realidade.

O nacionalismo aparece nas entrelinhas com o Hino Nacional.

“A nossa pátria, mãe gentil” abrigava as esposas e mães que choraram por seus filhos e mari-dos.

A primeira entidade organizada para lutar pela anistia foi o MFA – Movimento Feminino pela Anistia, criado em 1975.

O texto também fala dos exilados, como foi o caso do sociólogo Betinho, irmão de Henfil, e relembra as mortes do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho ao citar os nomes de suas esposas, Maria e Clarisse (grafia do registro civil), respectivamente.

Este texto traz a voz de alguém que, num momento de consciência, acorda para um mundo totalmente adverso, observa o que está à sua volta, o céu da cidade, um bêbado, o cair da tarde.

Tudo é estranho e triste.

Mesmo assim, há uma esperança que não abandona a sua missão.

Por isso, pode-se vislumbrar a liberdade e sonhar com ela, mesmo quando os olhos só veem a opressão.

Fica claro no texto que o desejo de liberdade sempre vai estar no coração do homem.

Esta é a sua arte.

 
(Fonte: Histórico colhido na Internet. Predomina comentário de Sérgio Soeiro)
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