Falando um pouco de preconceito


      Após ter presenciado um fato que muito me abalou em uma es-cola especial, resolvi fazer uma pesquisa do comportamento huma-no, em escolas diversas.
      O fato ocorreu quando matriculei minha filha em uma escola especial muito conceituada.
      Enquanto eu aguardava para falar com a diretora, fiquei obser-vando através da janela, a chuva cair. Para minha surpresa, pude ver uma moça empurrar, para fora da sala de aula, minha pequena Rita de 4 anos, portadora da Síndrome de Down. Como a menina insistisse em querer voltar para a sala, essa moça fechou a porta da classe, deixando-a do lado de fora. Rita caminhou para o pátio e ficou brincando sob a chuva.
      Rapidamente fui ao encontro da menina, pequei-a no colo e di-rigi-me à diretoria. Expliquei à diretora que ela precisava contratar professoras especializadas. Ela respondeu que todas as professoras que ali se encontravam haviam feito especialização.
      Desci e fui falar com professora "especializada". Perguntei-lhe porque fizera aquilo com a menina. A mesma respondeu que minha filha era uma "peste", não obedecia e não parava sentada. Que ela precisava de um castigo.
      Após essa passagem, resolvi pesquisar em outras escolas para ver como outras crianças eram tratadas.
      Escolhia uma escola e marcava uma entrevista, e foi assim que passei a observar o comportamento do pessoal das escolas em rela-ção aos alunos especiais.
      Vi algumas atitudes de carinho, mas vi muito mais vezes, atitu-des que me revoltaram.
      O que pude observar foi que em alguma delas seus professores, empregados e dirigentes demonstram incapacidade de saber lidar com portadores de deficiência, mais acentuadamente as que porta-vam deficiências mentais.
      Pareceu-me uma mistura de preconceitos com falta de preparo psicológico, e por que também não dizer, falta de amor.
      Os casos que mais mexeram comigo foram:
      Chego à minha entrevista no horário marcado (12hs, saída dos alunos).
      Uma jovem senhora (sozinha), chorava no pátio. Em voz alta dizia: "minha filha sumiu".
      Penalizada aproximei-me dela, e perguntei-lhe o que estava ocorrendo.
      Ela me respondeu que chegara atrasada à escola. E que acaba-vam de lhe informar que sua filha havia desaparecido. Que sua fi-lha de cinco anos era portadora da síndrome de Down, e que a cri-ança saíra da escola, sozinha.
      Fui falar com a professora (professora???) especializada (espe-cializada???), e perguntei-lhe porque não havia ficado com a meni-na até que a mãe da mesma chegasse. Ela sorrindo tranquilamente respondeu-me:
      - "Não sou babá de aluno deficiente, sou professora. A mãe tem obrigação de estar aqui no horário da saída."
      Outro caso que sucedeu, foi quando aguardando minha vez de ser entrevistada, desta vez em uma escola para portadores de defi-ciência auditiva, comecei a bater papo com uma mãe que estava ao meu lado.
      Expliquei-lhe o que estava fazendo ali, e ela me contou sua história.
      Disse-me que ao atender à porta, levou um susto, era sua filha de 10 anos.
      Sem que alguém tivesse notado a menina havia saído da esco-la. Alguém havia esquecido a porta da mesma aberta.
      Continuou dizendo-me, que ficara transtornada ao imaginar, que sua filha viera a pé da escola (no Alto de Pinheiros) para sua casa (no Itaim Bibi), e, que poderia ter morrido atropelada pois para chegar em casa a garota tinha atravessado grandes avenidas de muito movimento.
      Perguntei se eu podia entrar com ela, queria ouvir a explicação que a diretora iria lhe dar.
      Entrei... e a seu lado fiquei ouvindo a conversa.
      A mãe pedia uma explicação para a falta de atenção na porta-ria. A diretora respondeu, que a mãe tinha razão em estar um pou-co tensa, mas que o fato já havia ocorrido, e, que não importava quem tinha deixado a porta aberta. A mãe indignada ameaçava ir à Secretaria de Educação. Foi interrompida pela diretora, que lhe propôs o seguinte, ela não faria a denúncia e em troca a escola aprovaria sua filha naquele ano e nos anos seguintes... mesmo que ela não tivesse condições de ser aprovada.
      Outro caso que me comoveu muito  foi quando vi uma menina que portava aparelho em ambas as pernas e se locomovia apoiada num par de muletas.
      Com sacrifício imenso à mesma subia por uma escada. A cada degrau que subia, ficava se equilibrando para não cair.
      Sua mãe contou-me que estava lá na escola pela quinta vez, para pedir novamente a transferência da sua filha para o andar térreo.
      Pedi para acompanhá-la.
      Entramos, a diretora perguntou àquela mãe tão desgastada o que a trazia ali (apesar de já saber qual era o assunto).
      A resposta veio de  imediato: "Quero que  minha filha seja transferida para a classe do andar térreo".
      Alegando não haver vagas, a diretora recusou-se a atender a tal pedido. A mãe irritada retrucou que poderia ser feita uma troca com criança que tivesse outro tipo de deficiência.
      A resposta da diretora foi: "Isso não é possível. É melhor a se-nhora matriculá-la na AACD, lá sua filha terá um melhor atendi-mento".
      Para que minha pesquisa ficasse ainda mais completa, ficava parada na porta de escolas para portadores de deficiência, no horário de saída. Meu intuito era observar as expressões e atitudes das pessoas que esperavam pelos alunos. Raramente vi estampados no rosto de pais e parentes um sorriso ou um sinal que demonstras-se prazer e alegria ao ver seu ente querido vir ao seu encontro.
      Nunca vi braços abertos (como se dissessem venha para mim) a espera de seu corpinho para um abraço. Jamais escutei "eu te amo".
      Às vezes, vi um ou outro motorista, uma ou outra babá, dar em sua criança um abraço frio e desinteressado.
      Normalmente o adulto ficava na porta da escola conversando, quando sua criança saia, ele  se despendia dos amigos (amigas), e sai andando rapidamente na frente enquanto a criança especial ia an-dando devagar atrás, outras vezes seguravam-na pela mão e anda-vam tão rapidamente que parecia que a criança está sendo "arrastada" pelo adulto que a leva.
      Fala-se em leis, mas, a maior de todas as leis, é ainda a Lei do Amor ao próximo; quanto maior a proximidade, maior deverá ser a Lei do Amor.

Muriel E. T. N. Pokk
Texto registrado em cartório

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