Os Pigmeus do Kisangani

Recebi em 27/01/2024
 




Este é um trecho do livro UM BRASILEIRO NA ÁFRICA, que conta as aventuras e desventuras de um brasileiro que viveu tres anos entre belas e feras e belas feras nas selvas do Congo.
Ósculos e amplexos
Marcial



OS PIGMEUS DO KISANGANI - Parte 2
Marcial Salaverry

Bem... após o banquete “elefantástico”, prometi que tão cedo não comeria carne de elefante.

Até que é bem saborosa.

Depois de churrasqueada, tem sabor semelhante ao da carne de porco.

Acontece que, por eu ser “ligeiramente” maior do que os pig-meus, tive que comer uma considerável parte do pobre animal-zinho, o que me valeu um ligeiro desarranjo intestinal...

Fazer o que?

Recusar os pedaços que me eram oferecidos seria ofensa à tribo.

Já fora suficiente ofensa o fato de eu ter recusado a tradicional oferta da noite com a filha mais jovem do chefe.

A diferença de tamanho foi explicação suficiente.

Não havia condições, nem que eu quisesse...

Os anciões da tribo são muito respeitados, pois sua idade e vi-vência, lhes conferem status de sábios, e suas opiniões e conse-lhos são sempre acatados.

Como aqui...

Como não tem mais condições de participar da vida ativa da comunidade, eles auxiliam a caçada de uma maneira muito inte-ressante.

Eles têm uma capacidade impressionante de imitar os animais da floresta.

Então, ficam escondidos na mata, imitando geralmente as “vo-zes” de fêmeas no cio.

Os machos, atendendo ao “chamado”, são presa fácil para os ca-çadores.

Interessante este método.

E funciona, pois nunca um macho resiste ao chamado de uma fêmea no cio.

Funcionaria com os homens também...

Aliás, esse golpe aqui é usado para a prática de assaltos, com mulheres servindo de “isca”...

Os pigmeus dividem-se em diversos grupos, que vivem separa-dos em pequenas aldeias, mas que podem formar algo como um clã, tendo em comum um totem, que pode ser a imagem de um chimpanzé, ou de um leopardo.

O chimpanzé por sua sabedoria, e o leopardo por sua qualidade de caçador e sua valentia.

Essa comunidade vive num regime bem democrático.

Não tem um chefe específico.

Apenas “elegem” alguém considerado mais sábio, quando é pre-ciso confabular com os demais africanos.

Contrariamente aos costumes das demais tribos, o casamento entre os pigmeus sempre ocorre entre jovens de clãs diferentes, praticando o chamado “mariage d’echange”, ou seja, para poder casar com uma jovem de outro clã, o candidato deve oferecer uma jovem de seu clã, em idade adequada para “substituir” a que ele está tirando.

Preferencialmente sua irmã mais jovem, mas se não tiver, pode indicar outra.

Não deixa de ser interessante.

A prática sexual é livre antes do casamento.

Assim, se uma jovem fica grávida, ela deve manter em segredo o nome do “responsável” até o nascimento da criança.

Só então, pega o recém nascido, e o deposita sobre os joelhos do pai.

Se este tomar a criança entre os braços, é porque aceitou a pa-ternidade, e podem então se casar.

Já pensaram se a moda pega por aqui?

Ainda há que se notar que para haver o casamento, tem que ha-ver o consentimento das duas famílias.

Não existe entre os pigmeus o abominável sistema de compra e venda que ocorre nas demais tribos africanas.

É muito comum, também, o uso de “filtros de amor”, tanto pelos rapazes, quanto pelas moças.

Os rapazes, quando querem conquistar determinada jovem, usam de dois artifícios, bem interessantes por sinal.

Existe uma folhagem chamada “liaga”, meio parecida com a ma-conha, que eles mascam bem, e depois deixam a saliva cair sobre sua eleita, ou então, convencem-na a fumar uma espécie de ca-chimbo, preparado com a folha de liaga seca...

Seria interessante ver um de nossos rapazes cuspir em cima da garota que quer conquistar...

As jovens são mais discretas, preparam uma espécie de sortilé-gio chamada “bodumere”, e a misturam à comida de seu eleito.

Dizem que não falha.

Lamento informar que não conheço essa fórmula.

Pensei em trazê-la para cá, certo de que poderia fazer fortuna vendendo-a às jovens enamoradas.

Mas o segredo elas, apenas elas conhecem, não informando a homem nenhum.

Lamento.

Suas crenças religiosas são bem definidas.

Como toda sua vida gira em torno da caça, eles tem os deuses que os protegem e lhes fornecem os meios de subsistência, bem como em diversos sortilégios mágicos.

Contudo, sua vida é regida por um único Ser Supremo, repre-sentado por um velho com longas barbas brancas, chamado “Senhor das Tempestades, da Calmaria, e do Arco Íris”.

E é a ele que se dirigem antes de partir para a caça.

É quem irá dar-lhes toda a proteção.

Também veneram a Lua, que foi quem criou o primeiro homem: Ba’atsi.

Os pigmeus diferem completamente dos demais povos africanos em seus usos e costumes, fato que me deixou muito curioso, e por isso os estudei mais a fundo, procurando entender, e buscar as origens dessa diferença toda.

Pelo seu próprio modo de vida, são extremamente pobres, e não despertam cobiça nem inveja dos demais, que, pelo contrário, os respeitam muito.

São extremamente pacíficos, tendo um temperamento super oti-mista.

Estão sempre prontos para ajudar quem quer que seja.

Nunca guerrearam com ninguém, nem tampouco foram ataca-dos por nenhuma das tribos beligerantes das vizinhanças.

Nem mesmo os terríveis Simbas que efetuaram autênticas razias na região durante as guerras havidas no Congo.

Creio que os suíços aprenderam com os pigmeus a arte de sem-pre se manterem neutros.

Em minha curta convivência com eles, aprendi significativas li-ções de solidariedade, e de bem viver.

Aprendi que o tamanho da sabedoria e do coração dos pigmeus é inversamente proporcional ao tamanho de seu corpo.

Estes são os PIGMEUS DO KISANGANI, e sua maneira totalmen-te original e diferente de viver.

E felizmente, com a grande ajuda que sempre recebi de Deus, consegui sobreviver a tudo isso, e ainda estou aqui, vivendo e desejando a todos UM LINDO DIA...



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