Bá e Bimba

Recebi em 22/11/2017


Assim, do nada e do tudo, pessoas que eu convivi quando menina começam a voltar a fazer parte de minha vida.

Passei a receber e-mails

– “É a Soninha do Primo e da Melinda?

– Fotos antigas aparecem, músicas de nossa juventude, gente que não vejo há muitos anos.

Recebi um contato do Rio Grande do Sul, da Penha, filha da Bimba, nossa amada amiga... eu não vejo a Penha há tanto tempo...


(Jardim por onde a Bá passava)

O quanto eu daria para que a Bimba estivesse entre nós!

Quem via aquela senhora grande, de cabelos pintados de preto, de uma inteligência acima da média, nem podia imaginar o quanto ela foi alguém especial em nossa vida.

Bimba foi solteira até bem tarde, quando resolveu juntar os “panos de bunda”, como ela mesma dizia, com o namorado de muitos anos.

No entanto, ela era aquela que estava sempre mil passos à frente do futuro.

Já naquela época, todos nós muito pequenos, ficávamos fascinados com a quantidade de livretos de palavras cruzadas, livros, revistas de atualidade, que Bimba tinha – e partilhava com todos.

Muito do que eu aprendi e tornou-se um hábito saudável - o da leitura voraz - herdei da Bimba e da Bá, sua irmã, cuja sabedoria já andei escrevendo nos quatro cantos dos meus cadernos e permanecem ecoando no meu pensamento, sem-pre...


(Antiga casa da Bá - restaurada por Nelson Pellacani, nosso tio)

Bá era mais velha que a Bimba.

Casou-se com o único namorado, um senhor sisudo e grande, sempre presente na vida da Bá.

A casa enorme, cheia de quartos por todos os lados, ficava vazia durante o ano inteiro.

Bá e Bimba não tiveram filhos.

A casa é hoje o cartão postal mais famoso de minha terra, adquirida e restaurada pelo meu tio, Nelson Pellacani, um construtor de mão cheia e cabeça nas serestas, com uma voz exatamente igual à do Nelson Gonçalves.

E não era imitação não... era igual mesmo!

 Divagações à parte, Bá recebia os sobrinhos Raquel, Ivan e Alberto, de Belo Horizonte, para as férias de dezembro.

Era uma festa.

Todos da mesma idade, sentados à volta da nossa Bá e aprendendo a viver (melhor).

A casa desta senhora era limpíssima, o assoalho de madeira branca era esfregado nas madrugadas, pois o “dia foi feito pra viver com intensidade”, dizia ela.

Sempre encontrávamos a Bá com a sua voz pausada e grave, em todos os lugares da pequena cidade.

Não dá para dimensionar a admiração que aquela mulher espalhava por onde ia.

Com ela eu aprendi tantas coisas... mas foi com a Bimba o meu chamego maior.


(Casa da Bimba, de frente para a nossa - Centro Histórico de Santa Teresa-ES)

Bimba morava de frente para a nossa casa.

Da janela, sabia de tudo que acontecia com a prole da Melinda e do Primo.

Bimba nos defendia com unhas e dentes.

Tenho recordações de minha infância em que a presença constante dela foi primordial para esta mente que pensa grande, como ela mesma dizia.

Como não teve filhos, ia “adotando” um a um, desde a Cecília até o Toni, o filho que nunca teve.

O Toni era tudo na vida da Bimba. Levado como ele só, ele conse-guiu a façanha de ser atropelado pelo único carro existente na cidade, pra desespero de nossa amiga querida.

Ela era uma espécie de líder e exercia grande influencia em nossas vidas, sempre solícita e boa, muito boa!


(Chão de saudade ... - Foto Cecília Loss)

Muitos anos atrás, num feriado de Nossa Senhora da Penha, aconte-ceu uma tragédia em nossa cidade (não temos lembrança de outra pior), que dizimou oito pessoas, entre elas um casal, pais de muitos filhos e mais um a caminho.

Todos ficaram muito comovidos com o acontecido e Bimba não perdeu tempo.

Foi na Prefeitura e disse que uma das crianças seria dela.

E assim, Penha, de dois anos, passou a conviver conosco, como filha da nossa querida Bimba.

Quantas coi-sas eu poderia contar...

O tempo levou o alto-falante da Bimba – uma espécie de rádio de rua, onde ela espalhava o vozeirão para todos, duas vezes ao dia.

O tempo levou as hortas, os pés de limão, laranja e mexerica, que ela adorava.

Os canteiros de cebolinha, salsinha e coentro cresciam da noite para o dia, tão grande era o amor de Bimba pelas pequenas ervas.

O tempo levou as revistas, os discos de vinil de Emilinha Borba e Marlene, as serestas nas noites de frio, as quermesses e as missas de domingo.

Mas hoje foi só uma saudade imensa que bateu.

De Bimba e de Bá, que estão ocupadíssimas olhando por nós todos lá de outras plagas...


(Santa Teresa - ES - foto Google)

Sábado é dia de prosa - Sunny e Cecília,
com saudades da Bimba e da Bá.

Sunny Landrith


 
Anterior Próxima Contos Menu Principal