Thiago, um herói na mídia


Em setembro de 2006, meu neto Thiago, que havia completado 13 anos em julho, devorava litros de água e refrigerantes e comia de-sesperadamente tudo o que encontrava pela frente.

Pouco tempo antes minha filha Tatiana o levou à pediatra porque, apesar disso, ele estava ficando cada vez mais magro e irrequieto.

Após exames superficiais, a médica informou que a magreza era decorrente do crescimento próprio da sua idade.

Dias depois, ao fazer a limpeza do banheiro privativo do menino, Rita, nossa faxineira, percebeu que havia uma grande quantidade de formigas no vaso sanitário.

Assustada, a mãe retornou com ele à pediatra que, desta vez, pediu o exame que mede a taxa de glicemia.

O laboratório agendou a entrega do resultado para a 2ª feira seguinte.

No entanto, dois dias antes - sábado pela manhã - o médico res-ponsável pelo laudo ligou para minha filha, pedindo que ela retor-nas-se com o Thiago imediatamente ao laboratório, em jejum, para repetir o exame, pois o primeiro resultado havia sido assusta-dor.

Às 15 horas do mesmo dia, o médico ligou novamente recomendan-do levá-lo com urgência ao hospital, pois o novo exame confirmara que sua taxa de glicemia estava em nível alarmante e que ele cor-ria o risco de entrar em coma.

No pronto-socorro, foi medicado imediatamente pela endocrinolo-gista de plantão, Dra. Ângela, que até hoje o acompanha.

Ficamos chocados!

Os primeiros sentimentos foram de impotência e desespero.

Após dois dias de medicação intensa, ainda com oscilações abruptas, a taxa de glicose cedeu a níveis razoáveis, mas ainda não se estabilizara.

Levaria algum tempo, pois...

- É necessário observar as reações do organismo para definir a do-sagem ideal, informou a Dra. Ângela.

A alta do hospital foi precedida de uma longa palestra da médica com o paciente e a família, reunidos em torno da nova realidade.

A descrição da doença e de suas horríveis consequências nos deixava desolados.

- Um tratamento mal feito pode causar cegueira, amputação, morte prematura...

Não há como reverter...

Será uma luta diária...

Nós nos olhávamos e olhávamos para ele assustados.

Era como se tivéssemos sido transportados repentinamente para um mundo  totalmente desconhecido, obscuro.

Saímos dali como que condena-dos à prisão perpétua, com uma espada apontada para nossas cabeças.

Mas não havia tempo para chorar, porque portávamos uma lista enorme de medicamentos e alimentos especiais a serem com-prados.

Os pais do Thiago se dividiram em dois grupos e adquiriram tudo o que havia sido prescrito, desde agulhas até chocolates.

Depois vieram as oscilações da taxa de glicose na adaptação ao novo estilo de vida, a interferência do hormônio do crescimento, que provoca hipoglicemia noturna (entre 03 h e 05 h da manhã), os sobressaltos, o medo do imprevisto, o temor de um ferimento por acidente, a preocupação em abastecer a casa com tudo que pudesse minimizar o sofrimento do pré-adolescente.

Seus pais se revezavam no acompanhamento.

Eu temia ficar sozinha com ele, porque não me sentia preparada para enfrentar uma emergência.

Passamos a ler todas as publicações impressas e virtuais que tratavam do assunto e a nutrir uma tênue esperança na cura através dos avanços nas pesquisas com  células-tronco.  Retomamos nossa rotina (adaptada).

Eliminamos da nossa alimentação quase todos os hábitos dos quais ele não pode participar e nos alegramos com o crescimento saudável, o ganho de peso controlado e o forta-lecimento muscular do Thiago.

Ele tem se revelado um herói, atleta disciplinado, bom companhei-ro, ao lado de sua mãe uma lutadora incansável e amiga.

Que Deus os proteja e ilumine sempre.

Abaixo está o texto da reportagem que foi publicada na página 06 do Correio Brasiliense deste 10 de novembro de 2008 e no Jornal O Estado de Minas (inclusive com fotos coloridas):
 

 Veículo:  CORREIO BRAZILIENSE - DF  Editoria: BRASIL  Data: 10/11/2008
 Assunto: NUTRICIONISTAS

Sem açúcar, com afeto

Pesquisa mostra os impactos sociais do diabetes tipo 1 em jovens.

O apoio da família é fundamental para superá-los, dizem especia-listas.

Paloma Oliveto

Da equipe do Correio

Thiago acabou de almoçar.

Com prática, faz um pequeno furo no dedo e testa o nível de glicemia.

"Não quero nem ver", diz, já de saída. O aparelho acusa 359mg de açúcar por decilitro de sangue, quando o normal deveria ser de até 140mg/dl, duas horas após a refeição.

O adolescente tem 15 anos e há dois descobriu ser porta-dor de diabetes tipo 1, doença que atinge mais de 200 crianças e jovens por dia em todo o mundo, segundo uma pesquisa inédita da Sociedade de Diabetes em Adolescentes e Crianças (Ispad), realiza-da em parceria com um laboratório farmacêutico.

Os dados revelaram que a diabetes tipo 1, que é genética e costu-ma se manifestar na infância e na juventude, traz uma série de consequências às famílias, que vão do aperto no orçamento domés-tico a brigas entre pais e filhos, passando por discriminação e limi-tações na vida social.

Problemas que, de acordo com os pesquisa-dores, muitas vezes demandam um  acompanhamento psicológico até que todos se adaptem à nova realidade.

Mãe de Thiago, a professora Tatiana André de Arimatéia, 38 anos, conta que o rapaz é responsável e dificilmente esquece de aplicar a insulina e medir o nível glicêmico.

Uma exceção, de acordo com o estudo, batizado de DAWN Youth (sigla que representa Diabetes, Attitudes, Wishes and Needs, ou diabetes, atitudes, desejos e necessidades em jovens, em português).

Oitenta por cento dos pais brasileiros, contra 28% de todos os países pesquisados, já entraram em conflito com os filhos por causa do tratamento.

"A violência física ou verbal nunca é uma boa estraté-gia educacional.

Se os pais percebem que não está havendo um bom controle do diabetes, que o filho não está apresentando os comportamentos de autocuidado prescritos, eles devem tentar identificar juntamente com o filho por que isso está acontecendo", diz a psicóloga Fani Malerbi, professora da PUC-SP, coordenadora do Departamento de Psicolo-gia da Sociedade Brasileira de Diabetes e do estudo DAWN Youth no Brasil.

Otimismo

Conselheira da Associação de Diabetes Juvenil do Laboratório Novo Nordisk, Vanessa Pirolo Vivancos está acostumada a ouvir as princi-pais queixas dos adolescentes portadores de diabetes.

"Quando há descontrole dos índices glicêmicos, eles se sentem desmotivados, com uma sede excessiva e perda de peso", enumera.

Diabética des-de os 18 anos, Vanessa, hoje com 27, recomenda que os jovens tentem ver o lado positivo da doença.

A conselheira da associação conta que sua vida mudou para melhor, passado o choque  inicial da descoberta do diabetes.

"Comecei a fazer contagem de carboidrato para injetar insulina. Resultado: sou uma pessoa mais saudável", diz, com otimismo.

Thiago, que era gordinho na infância, hoje pesa 63kg  distribuídos em 1,76m.

Ele come chocolates, biscoitos, pães e bolos como qualquer garoto da sua idade, com a diferença que os alimentos são adaptados para diabéticos.

Mais os cuidados pesaram no orçamento da casa.

"O custo da nossa alimentação aumentou consideravelmente", diz a mãe do jovem.

Um pote de geleia diet, por exemplo, não sai por menos de R$ 10, de acordo com a mãe de Thiago.

O pão sem açúcar sai por R$ 5.

Fora os gastos com remédio.

A família cadastrou-se no  Hospital Regional da Asa Norte (Hran) para receber as fitas usadas na medição da glicemia.

"Graças a Deus recebemos as fitinhas.

Cada caixa com 50 fitas custa R$ 100", conta Tatiana.

O filho costuma fazer o controle quatro vezes ao dia.

O aumento de gastos em casa foi relatado por 86% dos brasileiros pesquisados.

Para 73% dos pais entrevistados, a situação financeira limita o cuidado do  diabetes com o filho.

"Nós podemos proporcio-nar alguns luxos para o Thiago.

Mas quando vou ao Hran fico muito preocupada ao ver jovens diabéticos carentes, que não têm as mesmas condições", diz Tatiana.

Na escola

A pesquisa Dawn Youth revelou que o ambiente escolar ainda pre-cisa de adaptações para compreender melhor as necessidades dos jovens diabéticos.

Os entrevistados relataram que recebem pouco apoio nas escolas, e apontaram a necessidade de haver alimentos mais saudáveis nas cantinas,  além de capacitação dos professores para prestar auxílio no caso de emergências, como desmaios, por exemplo.

Somente 50% deles disseram que seus mestres tinham conhecimento de que eram portadores de diabetes.

A psicóloga Fani Malerbi conta que a Sociedade Brasileira de Diabe-tes realizou uma pesquisa recentemente com 153 educadores num congresso sobre saúde nas escolas em São Paulo.

Desses, 84% eram coordenadores.

"Cerca de 80% afirmaram que a escola em que trabalham não conta com o apoio de algum profissional de saúde.

Quase 20% dos educadores declararam que, na sua escola, a criança portadora de diabetes não tem permissão para aplicar a insulina e quase 12% disseram que a criança não tem permissão para medir a glicemia.

Quase 16% dos educadores relataram que a escola não permite que criança coma fora do horário", relata.

Para Luis Eduardo Calliari, endocrinologista pediátrico, coordena-dor-médico do estudo e professor da Unidade de Endocrinologia Pediátrica da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, esses fatores estão relacionados à falta de informação.

"O profes-sor pode julgar, por exemplo, que a medição de glicemia pode distrair a atenção dos outros alunos", diz.

"É necessário uma integração entre a família, profissionais de saúde e equipe escolar para dar proteção à criança durante este longo período do dia em que está fora de casa", ensina.

Resultados

A pesquisa foi realizada entre 2007 e 2008.

Foram entrevistados profissionais de saúde, pais ou cuidadores de, pelo menos, uma criança com diabetes entre 0 e 18 anos, e jovens na faixa de 18 a 25 anos.

Participaram da pesquisa 9,2 mil pessoas, de 13 países.

No Brasil, foram 1,3 mil entrevistados.

Confira alguns dos resultados brasileiros:

88% dos pais preocupam-se muito frequentemente com a possibili-dade de ocorrência de hipoglicemia em seus filhos

80% dos pais brigam com seus filhos por causa do tratamento do di-abetes

86% dos pais acham que o diabetes do filho teve um impacto no or-çamento familiar

42% dos jovens relataram que faltam à escola pelo menos uma vez por mês por causa do diabetes

25% dos jovens acreditam que o diabetes tem um efeito negativo no seu desempenho escolar

20% dos jovens sentem-se constrangidos por causa do diabetes


Publicado no link:

https://www.linearclipping.com.br/CFN/m_stca_detalhe_noticia.asp?cd_sistema=140&cd_noticia=549022

Sandra Fayad
Brasília - DF


 

 
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